Folha de S. Paulo


O que 2016 reserva para os eSports

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Arte do jogo
Arte do jogo "League of Legends"

Nem todas as atividades que começam com um "e" dão certo para todo mundo envolvido, e isso vale para os eSports. O ano de 2015 mostrou a cena dos videogames competitivos canalizando mais dinheiro do que nunca, com prêmios chegando aos milhões e o público decolando, embora também tenha tido uma boa dose de polêmica.

No verão passado, corpos de administração do campo declararam a intenção de fazer testes antidoping nos participantes; uma liga baseada nas Filipinas pretendia limitar jogadores gays e transgênero, desistindo da decisão depois de muitos protestos; e, no final de novembro, um jornalista de eSports trocou socos com um profissional de Dota no DreamHack Winter.

Só que aqui vai uma coisa mais positiva: esse tipo de merda acontece, mas 2016 deve ser outro ano significativo para os eSports, com arenas cheias e espectadores on-line se multiplicando. Pelo menos, essa é a opinião do jornalista veterano da área Rod "Slasher" Breslau, editor-fundador da GameSpot eSports e ex-jornalista da "Score eSports". O canal Motherboard, da "VICE", falou com Rod no começo de 2015 sobre a controvérsia do adderall nas competições; além disso, como o homem sabe uma coisa ou outra sobre arrebentar os miolos dos competidores por um bom dinheiro, perguntei o que ele esperava da cena dos eSports para o ano que vem.

VICE - Os eSports cresceram muito em 2015 em termos de espectadores, público ao vivo e tamanho dos prêmios. Algumas das estatísticas são impressionantes, mas que tipo de limite existe para isso?

Rod Breslau - Tentei ser cuidadoso durante o enorme crescimento e sucesso da cena dos videogames competitivos nos últimos seis anos, tentando manter esse otimismo sob controle. No entanto, todo ano, os jogadores e a indústria têm superado as expectativas para os eSports.

Estádios, teatros e salões de eventos estão mais cheios de fãs que nunca, e o Campeonato Mundial de "League of Legends", em Berlim, teve o maior público da história, mesmo com partidas desfavoráveis na final. E, como 2015 foi um outro grande salto em comparação com 2014, não vejo por que, baseado nos exemplos passados, 2016 não possa chegar a outro nível. Pessoas assistindo a outras pessoas jogando videogames profissionalmente não têm um limite à vista.

A cena dos eSports tem feito um trabalho incrível até agora em se sustentar com apoio limitado dos próprios desenvolvedores, porém eles obviamente são a peça mais importante para continuar esse sucesso. Agora, com gente como a EA, Microsoft e Activision finalmente investindo mundialmente para apoiar o videogame competitivo, além de pesos-pesados como Riot, Valve, Blizzard e HiRez continuando a elevar seus jogos, as coisas parecem promissoras para 2016.

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O time Evil Genius venceu o Internacional de
O time Evil Genius venceu o Internacional de "Dota 2" em 2015

Você acha que outras disciplinas precisam competir financeiramente com o Internacional de Dota 2 e seus prêmios multimilionários para conseguir a atenção da "mídia mainstream"?

O monstro que é o Internacional e seu prêmio de US$ 18 milhões tornam difícil comparar isso a outros jogos, mas o platô ainda não foi atingido. Mais importante que a busca do prêmio, e mesmo a flutuação de espectadores, é que essas coisas como um todo estão mais estáveis e consistentes para ligas, equipes, jogadores e patrocinadores envolvidos. O dinheiro não só vai continuar a entrar como provavelmente vai chegar mais rápido em 2016.

Mas não acho que o dinheiro seja obrigatório para atrair a atenção da mídia, e a League Championship da Riot é um exemplo. O prêmio em dinheiro para o campeão do Campeonato Mundial de LoL é "pequeno" se comparado com o Internacional e outros eventos Dota, mas o campeonato ganhou a maior atenção da "mídia mainstream" nos eSports. "CS:GO" tem mostrado um sistema de eventos grandes apoiado pela Valve com apenas US$ 250 mil em prêmios em dinheiro, embora os eventos contem com mais de um milhão de espectadores. Em 2016, "CS:GO" vai estar na TV mainstream americana mais por causa dos fãs que dos prêmios.

Porém, sim, o dinheiro e o público continuam atraindo atenção. Só que também há muito investimento e magnatas dos esportes tradicionais apostando no espaço. Algumas das novas ideias não serão sucesso, mas os eSports ganharam um voto de confiança com investidores novos, como o dono do Dallas Mavericks, Mark Cuban, e o ex-comissário da NBA David Stern.

O mais importante é que esses são jogos incrivelmente envolventes, jogados no nível mais alto entre os melhores do mundo, e uma grande comunidade está se criando ao redor disso, o que vai continuar atraindo espectadores.

Documentário sobre esports

Sobre os games em si, você acha que veremos um ou dois alcançarem um novo nível de importância em 2016? Vimos o Rocket League se sair muito bem com a crítica em 2015 –é isso que os eSports vão ver em 2016, ou algo mais estaria prestes a se tornar um jogo competitivo que todos queiram jogar e assistir?

2016 vai ser o ano dos jogos de tiro em primeira pessoa [FPS]. O CS:GO teve um ótimo ano, mas o próximo será o auge de todo o sucesso do jogo e da comunidade envolvida nisso há vários anos. A volta do "Call of Duty" competitivo para o Twitch foi uma explosão para a comunidade deles, e circuitos em larga escala de CoD e Halo têm energizado os games de tiro de console.

Há vários jogos de tiro em primeira e terceira pessoa saindo no ano que vem e em 2017, coisas similares a "Team Fortress "2, como "Overwatch", "Paladins", "Paragon", "Law Breakers", "Battleborn" e "Battlecry". Como a Valve nunca cuidou direito da comunidade competitiva de "TF2" e gigantes que caíram antes como "Quakeand" e "Unreal Tournament" nunca conseguiram se recuperar, há um grande número de jogadores que preferem jogar um jogo FPS estilo fliperama que um game de tiro realista.

Joguei "Overwatch", da Blizzard, num alto nível competitivo durante a fase beta fechada e acho que o jogo e o gênero em geral têm muito potencial para se tornarem o próximo grande carro-chefe dos eSports. Várias organizações europeias importantes já formaram seus times, torneios organizados pelas próprias comunidades têm acontecido regularmente. "Overwatch" ainda precisa de muito trabalho para se tornar viável competitivamente, mas o potencial está ali. Com tantos jogos similares saindo, minha esperança é que a competição vá levar diferentes times a usar as boas ideias dos outros e cortar a gordura extra mais facilmente.

Espero que "Street Fighter 5" inaugure uma nova era na comunidade de games de luta como o 4 fez em 2009 e que "Hearthstone" tenha outro ano bom. Com a EA e Peter Moore lançando uma divisão de "Jogo Competitivo", o grande salto pode acabar vindo dos videogames de esporte. FIFA, Madden, NHL e NBA têm uma base de jogadores muito ativa que também tem experiência com eSports, especialmente FIFA. Dado o apoio certo tanto para os jogos como para a comunidade, eles podem ter um enorme apelo para torcedores de esportes tradicionais e gamers.

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Lee ''Faker'' Sang-hyeok
Lee ''Faker'' Sang-hyeok

Já conversamos com várias pessoas sobre o que os eSports "precisam" no departamento de personalidades, e isso sempre volta para estrelas que transcenderam suas cenas –alguém como David Beckham ou Kobe Bryant. Alguma aposta nesse departamento?

Com Lee "Flash" Young Ho, de "StarCraft", aposentado, acho que Lee "Faker" Sang-hyeok pode se tornar a estrela atual. Ele acabou de ganhar seu segundo mundial de "League of Legends", foi eleito MVP e jogador do ano, além de ter renovado o contrato com a SK Telekon por uma soma desconhecida; no entanto, ela provavelmente envolve seis dígitos, o que o torna o jogador de eSports mais bem pago do mundo –e isso sem contar a renda de endossos, patrocínios e streams.

O fronte ocidental é mais complicado, simplesmente porque não há vencedores suficientes entre todos os jogos. O Evil Geniuses de Dota é um farol de esperança para os eSports da América do Norte. Nos últimos dois anos, eles ganharam mais títulos internacionais que qualquer time americano de "League of Legends", "CS:GO", "StarCraft 2" e "Street Fighter 4". O jogador do EG Sumail Hassan –que ganhou quase US$ 2 milhões em prêmios com apenas 16 anos– e o colega de time dele Artour "Arteezy" Babaev são os destaques.

Vamos ver menos casos de jogadores neutralizados nos próximos anos? Acho que temos de diminuir a pressão sobre alguns desses caras se os eSports quiserem continuar saudáveis. O que mais precisa mudar na "cultura" dos eSports para que isso se torne um lugar acolhedor para novatos?

Acredito que sim, e é o que eu espero pelo bem dos jogadores. Há muitos jogadores desistindo, se aposentando muito jovens, no meio dos 20 anos, agora. Muito disso se deve a não conseguir fazer dinheiro suficiente jogando profissionalmente. Conforme a indústria continua a trazer patrocinadores e as ligas e times se tornam mais estáveis, espero que o salário dos jogadores suba. Isso, combinado ao aumento dos prêmios em dinheiro e ao potencial de endosso, fora os direitos de imagem, pode fazer os jogadores terem carreiras mais longas do que vemos hoje. Acho que não é irreal imaginar que muitos possam competir até os 30 anos se conseguirem acompanhar o ritmo.

E quanto a conseguir envolver mais mulheres nos eSports? Essa é uma cena dominada por homens nos níveis mais altos.

Quase todos os jogos competitivos dentro dos eSports têm uma forte inclinação para a base masculina; então, quando você peneira isso para os 0,00001% que vão se tornar jogadores profissionais, há poucas chances de sair uma mulher. Mesmo quando jogadoras sobem de ranque, elas podem encarar obstáculos como jogadores que não confiam nas habilidades delas, fora a atenção que os jogadores competitivos recebem on-line, que geralmente é mais violenta e com tons sexuais quando dirigida às mulheres. Essas questões podem ser superadas, embora o simples fato de que simplesmente não haja mulheres suficientes jogando jogos de eSports, comparado com os homens, é o que torna isso mais difícil.

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Morgan
Morgan "Morgz" Ashurst, à direita, uma das competidoras de Call of Duty mais importantes da Europa

Acima de tudo, os desenvolvedores precisam fazer o que puderem para aumentar a base de jogadoras nos games de eSports. Isso é uma questão difícil, e eu não tenho soluções para oferecer. Entretanto, se antes eu tinha dúvidas, agora acredito que torneios exclusivamente femininos vão beneficiar todos os envolvidos. O ESWC, apesar de não ser mais um dos eventos principais de eSports, vai realizar um torneio feminino de "Counter Strike". Esse e outros eventos estão mantendo uma cena feminina de CS sobrevivendo, e esses eventos geralmente são usados para desenvolver novos talentos. Nenhuma jogadora de CS conseguiu competir num time profissional ao lado de homens, e times apenas de mulheres não foram tão bem nos principais eventos abertos. Ainda assim, isso não significa que não vai acontecer, e desenvolver esse talento inicial nas ligas femininas já mostrou que funciona.

Os maiores times de mulheres e jogadoras terão de competir nos principais torneios de seus respectivos jogos para serem consideradas as melhores do mundo. Não acho que criar ligas ou torneios só de mulheres vá tirar prêmios que iriam para eventos abertos. Esportes tradicionais são diferentes, e o principal argumento contra segregar ligas nos eSports é que isso não envolve força física, embora haja vários exemplos de ligas e torneios femininos que beneficiam o esporte como um todo. É só pensar em Ronda Rousey e no que ela fez não só pelas lutadoras como por toda a UFC e sua marca no ano passado.

Eventos femininos criam campeãs e novas estrelas. E, felizmente para o nosso esporte, elas podem depois competir com homens.

Que outras tendências você prevê para os eSports em 2016 e além?

Ainda estamos alguns anos longe disso, mas, no final de 2016 ou 2017/2018, eu gostaria de ver desenvolvedores de realidade virtual criando uma experiência como a de estar num estádio para os espectadores de eSports. John Carmack, do Oculus, já falou sobre isso neste ano. Ou a experiência de espectador da Microsoft HoloLens. Cara, eu adoraria estar numa arena virtual assistindo a esses jogos. Façam acontecer, caras.

Tradução MARINA SCHNOOR

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