Folha de S. Paulo


Mordomos abandonam a bandeja de prata e aprendem a configurar o wi-fi

The New York Times

Quando Graham Lefford começou a trabalhar como mordomo, em 1989, seus deveres diários em geral envolviam planejar jantares formais e organizar cuidadosamente a bandeja do desjejum diário, com café e um jornal.

Mas em uma tarde recente, Lefford estava diante de um problema mais moderno para os mordomos: uma tela gigante de TV que não descia do teto. Ele passou quase uma hora resolvendo problemas no sistema elétrico, testando os motores que acionam a tela e estudando o controle multimídia da TV antes de reiniciar a interface unificada de software da casa para conseguir que a tela descesse.

"As casas são muito complicadas e contêm muita tecnologia", disse Lefford, que trabalha para uma família endinheirada em Nova York. "Se você não tiver conhecimentos tecnológicos básicos, não poderá mais fazer o trabalho."

A vida do mordomo foi transformada pela era digital. As casas dos ricos estão equipadas com novos símbolos de status tecnológicos –por exemplo leitores de retina, fechaduras controladas por iPad, TVs de tela plana ocultas e shows de luz sob espelhos de água–, e os mordomos estão se tornando uma espécie de departamento de informática de um homem só.

Os proprietários ricos de residências agora procuram administradores de propriedades e mordomos com experiência em tecnologia empresarial ou diplomas em engenharia. As escolas de mordomos estão cada vez mais recrutando pessoal nos departamentos de tecnologia de grandes empresas e cadeias de hotelaria,

Os mordomos mesmo –que nos anos 1990 e 2000 se transformaram em "administradores domiciliares", trabalhando em estilo empresarial– agora estão se esforçando por equilibrar seu trabalho básico (mimar os patrões exigentes) com a administração de sistemas eletrônicos temperamentais.

"Ninguém mais usa bandejas de prata", disse David Youdovin, presidente-executivo da Hire Society, uma companhia de recrutamento de pessoal para serviços domésticos, em Nova York. "Se você não consegue montar uma rede wi-fi protegida, sincronizar um iPad ou usar aparelhos Crestron ou Savant, é difícil ser considerado para um emprego como esse", ele disse, mencionando duas marcas de automação residencial.

CASAS INTELIGENTES?

É verdade que até mesmo pessoas não tão ricas enfrentam dificuldades com as tecnologias residenciais complicadas. Mas nos últimos anos, os ricos levaram suas casas inteligentes a um novo patamar –e encarregaram seus empregados domésticos de mantê-las em funcionamento. Weber Tysvaer, administrador de propriedades e chefe de equipe para diversas famílias ricas, disse que uma casa na qual trabalhou tinha tantas placas-mãe e servidores no porão que os cabos de conexão formavam gigantescas colunas multicoloridas ao longo da parede.

"Parecia um órgão de catedral", ele disse. "Era muito bonito, na verdade –mas quando acontecia alguma coisa de errado..."

Tysvaer trabalhava em um triplex de Manhattan, propriedade de um príncipe do Oriente Médio, repleto de tecnologia e sistemas de segurança de ponta. Mas os sistemas viviam caindo. A rede wi-fi raramente funcionava; o sistema de software da casa vivia tendo de ser reiniciado, e um conjunto de portas ao estilo "Jornada nas Estrelas", projetadas para se abrirem e fecharem com um zumbido suave ao apertar de um botão, muitas vezes não funcionava.

Todo o sistema de tecnologia da casa teve de ser reinstalado, a um custo de aproximadamente US$ 500 mil, pouco mais de um ano depois que ela foi construída.

Tysvaer trabalhou em outras casas nas quais um iPad podia ser usado para acionar um filme, mudar de música, acender e apagar luzes, ligar uma cascata artificial ou bombear fragrâncias especiais pelo sistema de ventilação. Mas muitas vezes os sistemas não funcionavam bem juntos, ele disse –e descobrir a origem do problema pode requerer horas de telefonemas a fabricantes de equipamento e equipes de software.

Os compradores em muitos casos nem percebem que esses sistemas "são muito mais poderosos e complexos do que necessitariam ser", ele disse.

Lefford, que viaja de sua casa em Michigan para a de seu empregador em Nova York, disse que a tecnologia lhe dá mais liberdade, mas também mais dores de cabeça. Ele consegue administrar a casa de seu patrão remotamente, com um iPad, controlando o aquecimento, fechando as persianas, desligando as luzes e trancando portas com um simples toque na tela. Ele pode até aceitar entregas de flores na casa de Nova York, e selecionar buquês para cada aposento, de sua casa em Michigan.

Mas certa noite de domingo, quando Lefford estava de folga, seu patrão não conseguiu acender as luzes no piso superior da casa. "Para consertar o defeito, eu teria de remover um painel de um gabinete de eletrônicos, desligar um outro equipamento e apertar o botão de reiniciar", ele disse. "Eles decidiram deixar as luzes desligadas até meu retorno no dia seguinte."

TREINAMENTO

As escolas e associações de treinamento de mordomos estão estabelecendo elos com companhias que produzem equipamentos de tecnologia para casas de alto preço. A Associação de Administradores de Propriedades Domésticas informa que está trabalhando com a Crestron e a Savant para criar programas de treinamento a fim de ensinar mordomos a operar e consertar defeitos de sistemas domésticos inteligentes.

Outras escolas de mordomos estão adicionando cursos sobre tecnologia e programação de redes.

"É parte do treinamento padrão, hoje", disse Matthew Haack, presidente da associação.

Em muitas casas das pessoas de altíssimo patrimônio, a tecnologia é tão complicada que os proprietários estão contratando profissionais de tecnologia para trabalhar em companhia de mordomos e administradores de residências.

Kevin Johnson, fundador da Green Baize Door, uma agência de colocação de pessoal e consultoria sediada em Londres, disse recentemente ter selecionado dois especialistas em tecnologia para grandes mansões britânicas. Um deles era engenheiro-chefe de um grupo de hotelaria londrino e o outro veio do departamento de tecnologia de uma grande empresa. Eles agora estão ganhando salários mais altos, "da ordem dos seis dígitos ao ano".

Youdovin, da Hire Society, também ajudou a recrutar dois especialistas em tecnologia, recentemente; um deles foi selecionado para um administrador de fundos de Nova York, que tem um sofisticado sistema para operações financeiras instalado em casa. O outro profissional foi selecionado para o dono de uma casa nos Hamptons que queria um sistema de vídeo aberto a buscas que permitisse que ele assistisse certos momentos de dezenas de diferentes partidas de esportes profissionais. Os dois estão ganhando mais de US$ 150 mil por ano.

Às vezes a tarefa de tecnologia mais difícil para um mordomo é se livrar da tecnologia. Lefford afirmou que um empregador anterior se frustrou tanto com o sistema de controle remoto digital para os termostatos da casa que, quando começou a planejar uma nova residência, de alta tecnologia, ele optou por antigos controladores analógicos Honeywell. Mas a companhia que instalou os sistemas de aquecimento e refrigeração insistia na adoção do controlador digital, mais caro.

"Meu empregador insistiu no comando analógico", disse Lefford. "Ele disse que preferia ser capaz de mudar a temperatura de sua casa quando quisesse."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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