Folha de S. Paulo


Apps investem em design para manter usuário sempre conectado

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Imagem do site 'Network Effect', que convida usuários a clicar em uma ampla amostra de arquivos de áudio e vídeo
Imagem do site 'Network Effect', que convida usuários a clicar em uma ampla amostra de arquivos

Greg Hochmuth foi um dos primeiros engenheiros de software contratado pelo Instagram. Em 2012, ele trabalhava em uma equipe que desenvolveu a primeira versão do app de fotos para o sistema operacional Android. Nas primeiras 24 horas de disponibilidade, o app foi baixado mais de um milhão de vezes.

Mas Hochmuth terminou por perceber que as características agradáveis da plataforma –a interface que facilita subir e compartilhar belas imagens, as sugestões personalizadas de usuários a quem seguir– tinham um lado possivelmente negativo.

As mesmas qualidades de design que tornavam o app atraente, disse ele, também podem tornar difícil para um usuário abandoná-lo. E quanto mais populares se tornam esses serviços, mais atraentes eles se tornam para os usuários –um fenômeno conhecido como "efeito rede".

"Quando as pessoas entram na rede, o efeito rede se faz sentir e há uma sobrecarga de conteúdo. As pessoas saem clicando. Há sempre mais um hashtag para clicar", disse Hochmuth, que deixou o Instagram no ano passado e criou uma consultoria de serviços de dados em Nova York, recentemente. "Aí, isso ganha vida própria, como um organismo, e as pessoas podem se tornar obsessivas".

Agora, Hochmuth e Jonathan Harris, artista e cientista da computação, colaboraram em um projeto que explora as implicações de plataformas digitais tão atraentes para a psique humana.

Chamado "Network Effect", o site convida usuários a clicar em uma ampla amostra de comportamento humano, em forma de arquivos de áudio e vídeo. O site inclui 10 mil vídeos e gravações que mostram pessoas se arrumando, comendo, se beijando, piscando, e assim por diante.

Ao contrário dos apetitosos apps de culinária ou dos envolventes apps de streaming musical que podem gerar respostas de prazer no cérebro, porém, o lado voyeur do site é deliberadamente desordenado e incômodo.

Para desafiar a ideia de que as pessoas exercitam o livre arbítrio em suas sessões online, o site se desliga automaticamente depois de alguns minutos, bloqueando o acesso dos usuários por 24 horas.

"Essa interrupção leva a refletir", disse Hochmuth. "Quero continuar navegando e clicando e me obcecando? Ou quero algo mais?"

Como o site sublinha, a vida digital nos mantém aferroados a uma corrente infindável de entretenimento, como modo padrão. As companhias de tecnologia muitas vezes adotam esse critério deliberadamente.

Temos o Facebook, seduzindo com seu "feed" de notícias interminável. Temos o Netflix, exibindo automaticamente o episódio seguinte de uma série de TV 10 segundos depois que o anterior se encerra. Há o Tinder, nos encorajando a continuar percorrendo uma sequência de fotos em busca do próximo potencial amante.

E há as constantes notificações e lembretes –um amigo gostou de sua foto ou tuíte; um colega quer se conectar no LinkedIn; um Evite aguarda resposta –que induzem automaticamente a sentimentos de obrigação social. Você se condena à distração caso responda, e ao medo de estar perdendo alguma coisa caso não o faça.

As companhias de tecnologia tendem a apresentar esses ciclos de feedback como conveniência para o consumidor. Um novo comercial de TV da Intel, por exemplo, mostra uma menina triste sentada no banco de trás de um carro, porque o laptop no qual ela estava assistindo a um vídeo de música subitamente esgota sua bateria. Mas o novo processador da empresa, que consome menos eletricidade, salva a situação, por fim, "para que você possa assistir sem parar".

A T-Mobile acaba de lançar o BingeOn, um recurso que oferece aos assinantes de certos planos acesso ilimitado e de alta velocidade a alguns canais populares de vídeo em formato stream.

Há até mesmo um termo setorial para os especialistas que continuamente testam e modificam apps e sites a fim de melhor atrair consumidores, convencê-los a retornar sempre e persuadi-los a ficar mais tempo: hackers de crescimento.

"Como promover o uso habitual do produto?", disse Sean Ellis, presidente-executivo da GrowthHacers.com, uma companhia de software cuja especialidade são as técnicas para promover crescimento online. "Não é só obter novos usuários, mas reter aqueles que você já tenha e, por fim, atrair ainda mais gente".

Como exemplo, Ellis descreveu a maneira pela qual recentemente começou a usar um app grátis de meditação chamado Calm, que conta com um recurso de agenda que gentilmente estimula o usuário a dedicar mais tempo ao aplicativo. A cada vez que ele conclui uma sessão, "o app me mostra que estou meditando uma vez a cada três ou quatro dias", disse Ellis. "Mas fica claro para mim que deveria meditar todos os dias, com base no gráfico".

Mas tecnólogos como Tristan Harris, especialista em design ético e filósofo de produtos no Google, alertam que o hacking de crescimento, conduzido ao seu extremo, pode encorajar apps e sites a reforçar seu uso de técnicas persuasivas de design, com consequências possivelmente inesperadas para os consumidores. Ele compara os esforços de maximização do envolvimento online às técnicas que alguns produtores de alimentos desenvolveram para viciar os consumidores em gordura, sal e açúcar.

"A conversa de 'não tenho força de vontade' ignora o fato de que existem mil pessoas do outro lado da tela cujo trabalho é derrotar a capacidade pessoal de regulação do usuário", disse Harris, enfatizando que estava falando em seu nome e não no do Google.

Harris também é codiretor de um esforço chamado Time Well Spent (tempo bem gasto), que encoraja as empresas de tecnologia a oferecer mais escolhas aos usuários que gostariam de limitar técnicas que levam ao prolongamento de sessões, a exemplo de execução automática de novos vídeos ou canções.

Ele disse ter concebido design alternativo para apps, capazes de medir o sucesso não em número de seguidores, conexões, endossos ou "likes" acumulados, mas sim em relacionamentos significativos desenvolvidos ou postos de trabalho desejáveis oferecidos.

"No momento, muitos líderes empresariais e designers prefeririam fazer essas coisas de modo diferente, mas os incentivos não estão alinhados para isso", disse Harris.

Para projetos como o Time Well Spent e o Network Effect, convencer empresas que se veem em acirrada concorrência pela atenção dos usuários online pode ser difícil.

Ellis, o presidente da GrowthHackers, disse que os maiores sites e apps "têm como manter conversações éticas sobre atenção boa e atenção ruim". Para muitas outras plataformas online, ele disse, "éticas ou não, abdicar da aspiração a criar envolvimento e atrair atenção significa que elas muito provavelmente fecharão as portas".

Ainda assim, as companhias podem um dia ter o lucro como motivação para monitorar e inibir o vício em Internet.

No Canadá, por exemplo, os cassinos tentaram desenvolver algoritmos de computador para identificar usuários de caça-níqueis cujo comportamento indica vício claro, e intervir quando isso acontece, disse Natasha Dow Schull, professora associada do departamento de mídia, cultura e comunicação da Universidade de Nova York, que estuda design de jogos de azar. Desconsiderada a ética, ela diz, essa é uma forma de as empresas manterem seus lucros, porque evitam secar os recursos de sua base de clientes.

As redes sociais e as companhias de jogos online dispõem de dados ainda mais detalhados sobre o tempo que as pessoas dedicam aos seus sites e a frequência com que clicam, em suas visitas, ela disse.

"Faz sentido que as companhias ajam a respeito, não só para serem bons cidadãos empresariais mas para proteger seus lucros", disse Schull. "Precisamos manter um debate sobre como reagir a isso –elas poderiam enviar alertas ou permitir que as pessoas determinem seus próprios limites, com o tempo".

Hochmuth, coautor do projeto "Network Effect", disse que tinha esperança de que as forças de mercados venham a inspirar os sites e apps a estudar designs e interfaces mais variados.

"Creio que algo realmente mudará - a questão é de onde virá a mudança", ele disse, apontando que o movimento da comida orgânica foi iniciado por pequenos produtores e não pela indústria alimentícia. Os serviços online que oferecerem mais opções e controle aos usuários, ele concluiu, "podem não vir dos protagonistas estabelecidos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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