Folha de S. Paulo


OPINIÃO

A internet que temos de salvar

Divulgação/Flickr
Hossein Derakhshan, blogueiro iraniano, passou seis anos longe da internet
Hossein Derakhshan, blogueiro iraniano, passou seis anos preso

Hossein Derakhshan, 40, considerado "o pai dos blogueiros do Irã", foi preso em 2008 e condenado por "cooperação com países hostis, propaganda política e insulto a figuras religiosas", por causa das publicações em sua página.

Ele deixou a prisão em novembro de 2014 e neste ano publicou um texto na plataforma Medium em que critica as mudanças na web, como a explosão do uso das redes sociais. Leia abaixo a íntegra do artigo.

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A internet que temos de salvar

A rede livre, diversificada, rica que eu amava –e pela qual passei anos em uma prisão iraniana– está morrendo. Por que ninguém detém isso?

Sete meses atrás, sentei-me à pequena mesa na cozinha do meu apartamento dos anos 1960, situado no último andar de um edifício em um bairro vibrante no centro de Teerã, e fiz algo que já havia feito milhares de vezes antes. Abri meu laptop e escrevi um post no meu novo blog. Mas isso aconteceu pela primeira vez em seis anos. E quase me destruiu.

Algumas semanas antes disso, eu havia sido repentinamente perdoado e libertado da prisão de Evin, no norte de Teerã. Eu esperava passar a maior parte da minha vida nessas celas: em novembro de 2008, havia sido condenado a quase 20 anos de prisão, basicamente por conta das coisas que tinha escrito no meu blog.

Mas quando o momento da liberdade chegou, foi inesperado. Eu fumava um cigarro na cozinha com um dos meus companheiros de prisão e voltava para a cela que dividia com uma dúzia de outros homens. Estávamos compartilhando uma xícara de chá quando a voz do alto-falante –outro prisioneiro– invadiu todas as celas e corredores. Em seu tom monocórdico, anunciou em persa: "Queridos companheiros de prisão, o pássaro da sorte pousou mais uma vez nos ombros de um de nós. Sr. Hossein Derakhshan, a partir deste momento, você está livre".

Essa noite foi a primeira vez em que saí por aquelas portas como um homem livre. Tudo parecia novo: a brisa fria do outono, o barulho do trânsito vindo de uma ponte próxima, o cheiro, as cores da cidade em que eu havia vivido durante a maior parte da minha vida.

Ao meu redor, vi uma Teerã muito diferente daquela a que estava acostumado. Um influxo de condomínios novos e descaradamente luxuosos havia substituído as casinhas encantadoras que eram familiares para mim. Novas estradas, novas rodovias, hordas de invasivos carros utilitários. Grandes cartazes com propagandas de relógios suíços e TVs coreanas de tela plana.

Mulheres usando lenços e capas coloridas, homens com cabelos e barba tingidos, e centenas de cafés charmosos com a música ocidental do momento e funcionários do sexo feminino. É o tipo de mudança que pega as pessoas desprevenidas. O tipo de coisa que você só nota de verdade quando é privado de levar uma vida normal.

Duas semanas depois, comecei a escrever novamente. Alguns amigos concordaram em me deixar começar um blog como parte da sua revista de artes. Eu o chamei de Ketabkhan –significa "leitor de livros" em persa.

Seis anos foi um tempo longo na cadeia, mas é uma verdadeira eternidade no mundo on-line. O ato de escrever na internet em si não mudou, mas a leitura –ou, pelo menos, a ação de fazer com que as coisas sejam lidas– se alterou radicalmente.

As pessoas tinham me falado sobre como as redes sociais se tornaram essenciais quando eu estava fora do circuito, então sabia de uma coisa: se queria atrair as pessoas a ver meus textos, agora teria de usar as redes sociais.

Por isso, tentei postar um link para uma das minhas histórias no Facebook. Acontece que no Facebook isso não importa muito. Acabou parecendo um anúncio chato. Sem descrição. Sem imagem. Sem nada. Teve três "curtir". Três! E só.

Ali ficou claro para mim que as coisas tinham mudado. Não estava preparado para jogar nesse novo território -todos os meus investimentos e esforços haviam virado pó. Fiquei arrasado.

OS ASTROS

Os blogs eram ouro e os blogueiros eram estrelas de rock em 2008, quando fui preso. Naquele momento, e apesar do fato de o Estado bloquear o acesso ao meu blog dentro do Irã, tinha um público de cerca de 20 mil pessoas todos os dias. Todo o mundo que eu linkava tinha um sério salto repentino no número de tráfego: podia fortalecer ou criar problemas a quem eu quisesse.

As pessoas costumavam ler meus posts atentamente e deixar muitos comentários pertinentes, e até mesmo muitos daqueles que discordavam de mim profundamente entravam para ler. Outros blogs linkavam o meu para debater o que eu estava dizendo. Eu me sentia um rei.

O iPhone tinha pouco mais de um ano na época, mas os smartphones ainda eram usados principalmente para fazer ligações e enviar mensagens curtas, administrar e-mails e navegar na internet. Não havia aplicativos reais, com certeza não da maneira como os vemos hoje. Não havia nada de Instagram, Snapchat, Viber, WhatsApp.

Em vez disso, havia a internet, e na internet havia blogs: o melhor lugar para encontrar pensamentos, notícias e análises alternativos. Eles eram a minha vida.

A ORIGEM

Tudo havia começado com o 11 de Setembro. Eu estava em Toronto, e meu pai tinha acabado de chegar de Teerã para me visitar. Estávamos tomando o café da manhã quando o segundo avião atingiu o World Trade Center. Eu estava perplexo e confuso, e, à procura de ideias e explicações, me deparei com blogs. Depois de haver lido alguns, pensei: é isso, eu deveria criar um também e incentivar todos os iranianos a começar a blogar. Então, usando o bloco de notas do Windows, comecei a experimentar. Logo acabei escrevendo no hoder.com, usando a plataforma de publicação do Blogger antes da sua compra pelo Google.

Então, em 5 de novembro de 2001, publiquei um passo a passo de como criar um blog. Isso provocou algo que mais tarde foi chamado de revolução do blog: em pouco tempo, centenas de milhares de iranianos fizeram do país um dos cinco principais do mundo em termos de número de blogs, e eu estava orgulhoso de ter um papel nessa democratização da escrita sem precedentes.

Naquele momento, eu tinha uma lista de todos os blogs em persa e, por um tempo, eu era a primeira pessoa que qualquer novo blogueiro no Irã contatava, para poder entrar na lista. É por isso que eles me chamavam de "Blogfather" (algo como "blodrinho", trocadilho com as palavras "padrinho" e "blog", em inglês) quando eu tinha 20 e poucos anos -era um apelido bobo, mas pelo menos ele indicava o quanto eu me importava com o tema.

Toda manhã, no meu pequeno apartamento no centro de Toronto, eu abria meu computador e cuidava dos novos blogs, ajudando-os a ganhar exposição e público. Era uma multidão diversificada –de autores e jornalistas, jornalistas do sexo feminino e especialistas em tecnologia a jornalistas, políticos, religiosos e veteranos de guerra locais– e eu sempre os incentivava mais. Convidei mais religiosos, e homens e mulheres a favor da República Islâmica, pessoas que viviam dentro do Irã, a se unir à rede e começar a escrever.

Todos estávamos maravilhados com a amplitude do que estava disponível naquele momento. Foi em parte por isso que estimulei tanto a criação de blogs. Eu havia deixado o Irã no final de 2000 para ter a experiência de viver no Ocidente e tinha medo de perder todas as tendências que apareciam rapidamente em casa.

Mas ler blogs iranianos em Toronto foi a experiência mais próxima que pude ter à de me sentar em um táxi compartilhado em Teerã e ouvir as conversas coletivas entre um motorista falador e seus passageiros aleatórios.

A FORÇA DO LINK

Há uma história no Alcorão em que pensei muito durante meus primeiros oito meses em confinamento solitário. Nela, um grupo de cristãos perseguidos encontra refúgio em uma caverna. Eles, e o cachorro que os acompanha, adormecem profundamente. Acordam com a impressão de que cochilaram: na verdade, despertaram 300 anos depois.

Uma versão da história conta como um deles sai para comprar comida –e só consigo imaginar a fome que deviam ter depois de 300 anos- e descobre que seu dinheiro é obsoleto agora, uma peça de museu. É quando percebe quanto tempo eles realmente estiveram ausentes.

O hiperlink foi a minha moeda, há seis anos. Decorrente da ideia do hipertexto, o hiperlink dava uma diversidade e uma descentralização que o mundo real não tinha. O hiperlink representava o espírito aberto e interconectado da rede mundial de computadores –uma visão que começou com seu inventor, Tim Berners-Lee.

O hiperlink foi uma maneira de abandonar a centralização –todos os vínculos, linhas e hierarquias– e substituir isso por algo mais distribuído, um sistema de nós e redes.

Os blogs deram forma a esse espírito de descentralização: eles eram janelas para vidas que dificilmente você conheceria muito; pontes que ligavam vidas diferentes para cada uma delas e que, assim, as mudavam. Os blogs eram cafés onde as pessoas trocavam ideias diferentes sobre todo e qualquer assunto que poderia te interessar. Eles foram táxis de Teerã em larga escala.

Desde que saí da prisão, porém, percebi o quanto o hiperlink se desvalorizou, quase se tornou obsoleto.

Quase todas as redes sociais agora tratam o link como tratam qualquer outro objeto –a mesma coisa que uma foto ou um trecho de texto–, em vez de vê-lo como uma forma de enriquecer o texto. Você é estimulado a publicar um só hiperlink e expô-lo a um processo semidemocrático de curtir, e classificar, e colocar corações. Adicionar vários links a um texto é algo que, em geral, já não se permite. Os hiperlinks viraram objeto, estão isolados, despojados dos seus poderes.

Ao mesmo tempo, essas redes sociais tendem a tratar textos e imagens nativas –coisas que são diretamente publicadas nelas– com muito mais respeito do que por aquelas que estão em páginas externas. Um fotógrafo amigo me explicou como as imagens que ele publica diretamente no Facebook recebem um grande número de curtidas, o que por sua vez significa que elas aparecem mais nos conteúdos de outras pessoas.

Por outro lado, quando ele publica um link para a mesma imagem em algum lugar fora do Facebook –seu blog agora empoeirado, por exemplo–, as imagens são muito menos visíveis para o próprio Facebook e, portanto, obtêm muito menos curtidas. O ciclo se autoreforça.

Algumas redes, como o Twitter, tratam os hiperlinks um pouco melhor. Outras, serviços precários, são muito mais paranoicas. O Instagram –de propriedade do Facebook– não permite que seu público exporte nada. Você até pode colocar um endereço da web ao lado das suas fotos, mas isso não vai levar a lugar nenhum. Muitas pessoas começam sua rotina diária on-line nesses becos sem saída das redes sociais e seus dias terminam aí. Muitos nem sequer percebem que estão usando a infraestrutura da internet quando gostam de uma fotografia no Instagram ou deixam um comentário sobre o vídeo de um amigo no Facebook. É apenas um aplicativo.

Mas os hiperlinks não são apenas o esqueleto da web: eles são seus olhos, um caminho para sua alma. E uma página cega, sem hiperlinks, não pode olhar ou dar uma espiada em outra página –e isso traz sérias consequências para a dinâmicas de poder na internet.

Mais ou menos todos os teóricos pensaram no olhar relacionado ao poder e, principalmente, em um sentido negativo: quem olha despoja o olhado e o transforma em um objeto impotente, desprovido de inteligência ou ação. Mas no mundo das páginas da internet, o olhar funciona de forma diferente: é mais empoderador. Quando um poderoso site –digamos, o Google ou o Facebook– olha ou linka para outra página da web, ele não só o conecta –ele faz com que exista; lhe dá vida.

Metaforicamente, sem esse olhar empoderador, sua página não respira. Não importa quantos links você tenha colocado em uma página, se ninguém a visitar, na verdade ela está morta e cega; e, portanto, incapaz de transferir o poder a qualquer página web externa.

CEGUEIRA

Por outro lado, as páginas mais poderosas são aquelas vistas por muitos olhos. Assim como celebridades que obtêm um tipo de poder por conta dos milhões de olhos humanos que os olham em qualquer momento, as páginas da web podem capturar e distribuir seu poder através de hiperlinks.

Mas aplicativos como o Instagram são cegos –ou quase cegos. Seu olhar não vai a nenhum lugar que não seja para dentro, reluta em transferir algo dos seus vastos poderes aos outros, levando-os a mortes silenciosas. A consequência é que as páginas que estão fora das redes sociais estão morrendo.

Mas mesmo antes de eu ir para a cadeia o poder dos hiperlinks já que estava sendo controlado. Seu maior inimigo era uma filosofia que combinava dois dos valores mais dominantes e sobrevalorizados dos nossos tempos: a novidade e a popularidade, refletida pelo domínio das celebridades jovens no mundo real. Essa filosofia é o Stream.

O Stream agora domina o modo como as pessoas recebem informações na web. Menos usuarios visitam diretamente páginas especializadas e, em vez disso, são alimentados por um fluxo interminável de informações escolhidas para eles por complexos –e sigilosos– algoritmos.

O Stream significa que você já não precisa mais abrir tantos sites. Você não precisa de inúmeras janelas. Você não precisa nem sequer de um navegador. Você abre o Twitter ou o Facebook em seu smartphone e mergulha fundo. A montanha veio até você. Os algoritmos escolheram tudo para você. De acordo com o que você ou seus amigos leram ou viram antes, eles preveem o que você gostaria de ver. É ótimo não perder tempo para encontrar coisas interessantes em tantos sites.

Mas não será que estamos perdendo alguma coisa? O que estamos dando em troca da eficiência?

CONTEÚDO

Em muitos aplicativos, os votos que damos –as curtidas, os pontos, as estrelas, os corações– estão, na verdade, mais relacionados a avatares bonitos e status de celebridade do que à substância do que foi publicado. Um parágrafo sumamente brilhante de alguma pessoa com uma aparência comum pode ser deixado de fora do Stream, enquanto as divagações bobas de uma celebridade ganham presença instantânea na internet.

E não são só os algoritmos por trás do Stream que equiparam novidade e popularidade com importância, eles também tendem a nos mostrar mais do que nós já curtimos. Esses serviços escaneiam cuidadosamente nosso comportamento e delicadamente adaptam nossos feeds com mensagens, fotos e vídeos que eles acham que nós provavelmente queremos ver.

A popularidade não é errada em si mesma, mas tem seus próprios perigos. Em uma economia de livre mercado, bens de baixa qualidade com preços errados estão fadados ao fracasso. Ninguém se incomoda quando um café tranquilo do Brooklyn com petiscos e serviço ruins deixa de funcionar. Mas opiniões não são a mesma coisa que bens materiais ou serviços. Elas não vão desaparecer se são impopulares ou mesmo ruins.

Na verdade, a história provou que a maioria das grandes ideias (e muitas más ideias) foram bastante impopulares por um longo tempo, e seu status marginal só fez com que se fortalecessem. As opiniões minoritárias são radicalizadas quando não podem ser emitidas e reconhecidas.

Hoje, o Stream é a forma de mídia digital dominante para organizar a informação. Está em todas as redes sociais e aplicativos de celular. Desde que ganhei minha liberdade, para onde quer que eu olhe vejo o Stream. Acho que não vai demorar muito para que vejamos novos sites de notícias organizando todo o seu conteúdo com base nos mesmos princípios. A proeminência do Stream hoje não só cria imensos blocos de internet tendenciosa contra a qualidade, também significa uma profunda traição à diversidade que originalmente se imaginava para a rede mundial de computadores.

DISTRIBUIÇÃO

Não há dúvida para mim que a diversidade de temas e opiniões está menos on-line hoje do que no passado. Ideias novas, diferentes e desafiadoras ficam reprimidas pelas redes sociais de hoje porque as suas estratégias de classificação priorizam o popular e habitual. (Não é de admirar que a Apple esteja contratando editores humanos para seu aplicativo de notícias.) Mas a diversidade está sendo reduzida de outras formas, e para outros fins.

Parte disso é visual. Sim, é verdade que todos os meus posts no Twitter e no Facebook parecem semelhantes a um blog pessoal: eles estão reunidos em ordem cronológica inversa, em uma página específica, com endereços da web para cada post. Mas eu tenho muito pouco controle sobre como eles parecem; não posso personalizá-los muito. Minha página deve seguir uma aparência uniforme que os designers da rede social decidiram por mim.

A centralização da informação também me preocupa, porque torna mais fácil que as coisas desapareçam. Depois da minha prisão, meu serviço de hospedagem fechou minha conta, porque eu não pude pagar a taxa mensal. Mas pelo menos eu tinha um backup de todos os meus posts em um banco de dados em meu próprio servidor. (A maioria das plataformas de blogs costumava permitir que você transferisse suas mensagens e arquivos para seu próprio espaço na web, enquanto agora a maioria das plataformas não deixa você fazer isso.) Mesmo que eu não fizesse, o arquivo da internet pode manter uma cópia. Mas se minha conta no Facebook ou no Twitter for encerrada por algum motivo?

Esses serviços em si não devem morrer a qualquer momento no curto prazo, mas não seria muito difícil imaginar um dia em que muitos serviços norte-americanos encerrem a conta de qualquer um que seja do Irã, como fruto de um regime vigente de sanções. Se isso acontecesse, eu poderia baixar meus posts em alguns deles, e suponhamos que o backup pudesse ser facilmente importado para outra plataforma.

Mas e o único endereço na web para o meu perfil na rede social? Poderia tê-lo de volta depois, se alguém já o adquiriu? Os nomes de domínio trocam de mãos, também, mas administrar o processo é mais fácil e claro –especialmente porque há uma relação financeira entre você e o vendedor, o que torna isso menos propenso a decisões súbitas e pouco transparentes.

RELAÇÃO DE PODER

Mas o resultado mais assustador da centralização da informação na era das redes sociais é outra coisa: ela está nos tornando muito menos poderosos em relação a governos e corporações.

Cada vez mais se impõe a vigilância à vida civilizada, e isso só piora à medida que o tempo passa. A única maneira de ficar fora desse vasto aparato de vigilância poderia ser entrar em uma caverna e dormir, mesmo se você não puder fazer isso por 300 anos.

Ser observado é algo com que todos nós, no final, temos de nos acostumar e conviver, e, infelizmente, isso não tem nada a ver com o país em que vivemos. Ironicamente, os Estados que cooperam com o Facebook e com o Twitter sabem muito mais sobre seus cidadãos do que aqueles como o Irã, onde o Estado tem um controle rígido sobre a internet, mas não tem acesso legal a empresas de redes sociais.

O que é mais assustador do que ser meramente observado, no entanto, é ser controlado. Quando o Facebook pode nos conhecer melhor do que nossos pais com apenas 150 curtidas, e melhor do que nossos maridos ou mulheres, com 300 curtidas, o mundo parece bastante previsível, tanto para os governos como para as empresas. E previsibilidade significa controle.

Iranianos de classe média, como a maioria das pessoas no mundo, estão obcecados com as novas tendências. A utilidade ou a qualidade das coisas geralmente vem em segundo lugar depois do seu caráter de ser uma tendência. No início dos anos 2000 escrever blogs fazia você ser cool e estar na moda, depois, por volta de 2008, veio o Facebook e, em seguida, o Twitter. Desde 2014, o hype é tudo o que tiver relação com o Instagram, e ninguém sabe o que vem a seguir.

Mas quanto mais eu penso sobre essas mudanças, mais percebo que mesmo todas as minhas preocupações podem ter tomado o caminho errado. Talvez eu esteja preocupado com a coisa errada. Talvez não seja a morte do hiperlink ou a centralização, exatamente.

FIM DO TEXTO?

Talvez seja o texto em si o que está desaparecendo. Afinal de contas, os primeiros visitantes da web gastaram seu tempo on-line lendo revistas na web. Depois vieram os blogs, depois o Facebook, depois o Twitter. Agora são nos vídeos do Facebook e no Instagram e no SnapChat onde a maioria das pessoas gasta seu tempo. Há cada vez menos texto para ler nas redes sociais, e cada vez mais vídeo para assistir, e mais imagens para ver. Estamos testemunhando um avanço do ver e ouvir, em detrimento da leitura na web?

Essa tendência está sendo impulsionada pela mudança dos hábitos culturais das pessoas, ou será que as pessoas estão seguindo as novas leis das redes sociais? Eu não sei –isso fica para os pesquisadores descobrirem–, mas velhas guerras culturais parecem estar revivendo. Afinal, a web começou imitando os livros e durante muitos anos foi fortemente dominada pelo texto, pelo hipertexto.

Os motores de busca davam enorme valor a essas coisas, e empresas inteiras –monopólios inteiros– foram construídas à base disso. Mas com o número de escaneadores de imagens, e fotos digitais, e câmeras de vídeo crescendo exponencialmente, isso parece estar mudando. As ferramentas de pesquisa estão começando a adicionar algoritmos avançados de reconhecimento de imagem; o dinheiro da publicidade está fluindo ali.

Mas o Stream, os aplicativos para celulares e as imagens em movimento, todos eles mostram uma saída da internet-livros rumo a uma internet-televisão. Parecemos haver saído de um modo não-linear de comunicação -nós, redes e links– rumo a uma maneira linear, com centralização e hierarquias.

A web não foi concebida como uma forma de televisão quando foi inventada. Mas, goste-se ou não, ela está rapidamente se parecendo com a TV: linear, passiva, programada e introspectiva.

Quando eu entro no Facebook, minha televisão pessoal começa. Tudo o que eu preciso fazer é percorrer as opções: novas fotos de perfil dos amigos, pequenos extratos de opinião sobre assuntos da atualidade, links para novas histórias com informações breves, publicidade e, claro, vídeos de auto-reprodução.

Eu clico às vezes nos botões de "curtir" e "compartilhar", leio os comentários das pessoas ou deixo um, ou abro um artigo. Mas fico no Facebook, e ele continua a transmitir o que pode ser que eu goste. Essa não é a web que eu conhecia quando fui para a cadeia. Esse não é o futuro da web. Esse futuro é televisão.

MEU ESPAÇO

Às vezes acho que talvez esteja me tornando muito rigoroso com o passar dos anos. Talvez tudo isso seja a evolução natural de uma tecnologia. Mas não posso fechar meus olhos para o que está acontecendo: uma perda de potência e diversidade intelectual, e dos grandes potenciais que a web poderia ter para nossos tempos atribulados. No passado, a web era poderosa e séria o suficiente para me mandar para a prisão. Hoje parece ser um pouco mais do que entretenimento. Tanto que até mesmo o Irã não se dá muito ao trabalho –caso do Instagram, por exemplo– de bloquear.

Sinto saudades de quando as pessoas levavam tempo para conhecer diferentes opiniões e se preocupavam em ler mais de um parágrafo ou 140 caracteres. Tenho saudades dos dias em que podia escrever algo em meu próprio blog, publicar no meu próprio domínio, sem ter de dedicar o mesmo tempo para promovê-lo em um monte de redes sociais; quando ninguém se importava com curtir ou recompartilhar.

Essa é a internet da qual me lembro antes prisão. Essa é a internet que temos de salvar.

Tradução DENISE MOTA


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