Folha de S. Paulo


Crianças ficam famosas com vídeos no YouTube e precisam lidar com fãs

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Sophia Betoni, 8, foi a primeira a chegar na fila, com uma hora e meia de antecedência. Estava munida de um caderno de autógrafos e de um presente. À frente de dezenas de crianças, a menina só foi embora depois de conversar com seu grande ídolo -na saída, mal conseguia falar, de tanta emoção.

Uma tarde de autógrafos com um artista consagrado? Nada disso. Tratava-se de um evento realizado em junho em um shopping de São Paulo com "youtubers mirins". Chamados de "encontrinhos", reúnem crianças que mantêm canais no YouTube e gravam vídeos com dicas de brincadeiras, ideias de desafios para fazer com os amigos, tutoriais de maquiagem, relatos de viagens etc.

O motivo para as lágrimas de Sophia era o encontro com Julia Silva, 10, um dos grandes fenômenos da categoria no Brasil. A garota, que mora em Itajubá (MG), tem 470 mil seguidores e está entre os cem maiores canais do portal no país, segundo o site.

No começo, o objetivo era se comunicar com a família; hoje, alguns filmes contam até com legendas em inglês. "Nunca imaginei que fosse crescer tanto", diz a garota.

Essas crianças fazem parte de um contexto maior, de pessoas que criam vídeos e acabam se tornando celebridades para públicos específicos.

Alvaro Paes de Barros, diretor de conteúdo do YouTube no Brasil, afirma que uma das razões para o fenômeno é a interação entre os pequenos. "Eles falam exatamente o que é importante para crianças, da forma como as crianças falam."

Carol Santina, 12, com 200 mil seguidores, recebe pedidos dos admiradores toda semana. "Se os fãs me desafiam a fazer algo, eu vou lá e faço", diz a menina, que conta com a participação do irmão gêmeo, Rick, e da irmã Sophia, 4, em algumas produções.

Amanda Carvalho, 10, dona de um canal com 70 mil seguidores, foi levada pela mãe a um psicólogo quando seus vídeos começaram a ser vistos por mais pessoas.

"A criança pode ser bajulada hoje e amanhã ninguém lembrar que ela existe. É importante prepará-la para esse choque", alerta a psicóloga Olga Tessari.

Enquanto estão na crista da onda, "youtubers mirins" influenciam outras crianças, que passam a fazer seus próprios vídeos. É o caso de Julio Charleaux, 11, que tem um canal sobre games com apenas 55 inscritos, mas publica diariamente. "Vários amigos meus têm canais", conta.

FATURAMENTO

Algumas dessas crianças ganham dinheiro com a brincadeira. Assim como qualquer canal no YouTube, elas podem ativar uma opção no site para lucrar com as visualizações e anúncios. Uma das mães entrevistadas disse que as produções da filha rendem US$ 300 (R$ 1.000) por mês.

Os pequenos também recebem presentes de marcas e falam sobre eles nos vídeos. A mãe de Amanda, Sheila, diz que as empresas não exigem nada em troca, e que a menina só grava sobre o que quer.

Na visão de Ricardo Cabezón, presidente da Comissão de Direitos Infantojuvenis da OAB-SP, isso seria considerado publicidade indireta feita por crianças -o que exigiria autorização da Justiça.

Para o Conar (conselho autorregulador da publicidade), trata-se de conteúdo editorial, não de propaganda.

Os pais não sobrevivem dessa renda, mas isso não quer dizer que não deem atenção para o negócio dos filhos: "Encaro o canal como uma empresa", diz Mônica, mãe de Carol Santina.


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