Folha de S. Paulo


Garotas brasileiras criam app sobre água e vão à final de prêmio nos EUA

Ademar Filho/Divulgação/Secretaria de Educação de Pernambuco
Alunas de escola técnica em Recife exibem o aplicativo The Last Drop, finalista do Technovation
Alunas de escola técnica em Recife exibem o aplicativo The Last Drop, finalista do Technovation

O desafio de inovação para meninas Technovation Challenge, que será terá sua etapa final nesta quinta-feira (25) em San Francisco, terá como representante brasileiro um grupo de garotas de Recife que criaram um jogo para conscientização de crianças sobre uso racional de água.

Outra iniciativa, de um colégio de São Paulo e que tem como objetivo facilitar o relacionamento entre cidadãos e a prefeitura, ficou na semifinal do concurso, que premia o vencedor com US$ 10 mil (R$ 30,8 mil).

The Last Drop ("a última gota"), feita por cinco garotas da Escola Técnica Estadual Cícero Dias, também conhecido como Nave Recife, expõe o jogador, idealmente entre 6 e 12 anos, ao problema da escassez hídrica.

"Escolhemos o tema porque é um problema que não é só nosso, mas do mundo todo", diz Gabrielle Lopes, 16, uma das desenvolvedoras. "Tivemos de desenvolver o jogo em dois meses [para cumprir o prazo do concurso], o que foi um desafio para nós", conta.

The Last Drop

No game, a protagonista Victoria tem um tempo limitado para encontrar todas as maneiras em que pode ajudar a combater o desperdício em uma das cinco fases.

O interesse por programação, conta Jacqueline Alves, 17, outra das integrantes, junto com Jaqueline Rodrigues, Leonor Vitória e Sâmara Beatriz, todas de 16, foi natural, já que a escola onde estudam tem cursos de desenvolvimento e de design digital. "Isso nos ajudou a escolher que área seguir."

Elas dizem que o fato de serem meninas causa certa surpresa a quem ouve a história pela primeira vez, mas, segundo Sâmara, "isso não prejudica em nada".

"As mulheres são as maiores consumidoras de tecnologia no mundo, e ainda sim são as que menos participam de sua criação", diz Christianne Poppi, diretora-executiva no Brasil do Technovation Challenge, que faz parte do grupo sem fins lucrativos californiano Iridescent, a disparidade de gênero é o que motiva o concurso, realizado anualmente.

"O estímulo à participação feminina [na tecnologia] vem de encontro com o preconceito que as mulheres sofrem diariamente, em todas as esferas", diz. "A grande maioria das meninas nem pensa na área de tecnologia como uma possível escolha de faculdade, porque já está enraizado, seja pelos pais, pela escola, pela sociedade, que tecnologia não é coisa de mulher."

Segundo o Censo de 2010, diz Poppi, um quarto das 520 mil pessoas que trabalham com computação no Brasil é composto por mulheres. "São as maiores consumidoras de tecnologia e, ainda assim, as que menos participam da sua criação."

A executiva afirma, ainda, que o Brasil vem se saindo "incrivelmente bem" nas últimas edições do torneio. "Considerando que os times competem com 26 países, e mais de 6.000 [projetos] já participaram no mundo todo, podemos dizer que o Brasil se destaca."

O The Last Drop compete com grupos de EUA, Índia e Nigéria na categoria de Ensino Médio. Os quatro finalistas do Fundamental são oriundos de EUA, Índia e México.

Poppi conta que, de todos os projetos inscritos na edição deste ano, um quinto era brasileiro.

APP CIDADÃO

O app Civit, feito por garotas do paulistano Colégio Bandeirantes, chegou até a semifinal do torneio com a proposta de ser um "atalho" para fazer denúncias e reclamações acerca de problemas estruturais da cidade.

"Pensamos nele ao perceber como a burocracia para denunciar problemas é enorme", diz Mariana Yumi da Cruz, 17. "Sabíamos pouco sobre programação, e essa parte foi a mais desafiadora."

Mariana teve a ajuda de Isabela Rister Portinari Maranca e Maíra Romero Machado, que têm sua idade; e de Isabela Baptista Caetano da Silva e Isadora Ferreira Marchesini, que têm 16 anos.

Danilo Verpa/Folhapress
Garotas do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, chegaram à semifinal com o app Civit
Garotas do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, chegaram à semifinal com o app Civit

"Algumas meninas do grupo já tinham tido contato com programação, mas a maioria descobriu esse mundo quando ficamos sabendo do concurso", diz Isabela Baptista. "Nosso grupo não sofreu muito preconceito, porém várias pessoas ficaram mais surpresas do que o esperado por sermos meninas."

"Como nossa sociedade é bastante machista, esse tipo de incentivo é necessário para mostrar às garotas que essa também é uma possibilidade", diz ela.

OPORTUNIDADES

Estudante de escola pública na zona leste de São Paulo, Sâmela Cesar da Silva, 13, é uma entre os jovens que desenvolveram o app Tudo Sobre Bullying, pensado para informar e prevenir a prática nas escolas, depois de fazer um curso on-line.

Para ela, a situação socioeconômica, além de seu gênero, pode influenciar as chances de uma garota entrar no mundo do desenvolvimento.

"Pelo que vivo todos os dias, posso até ter o celular, mas não tenho a oportunidade. Nunca tinha visto HTML [código de páginas web] ou coisas do tipo antes de ter feito o curso, mas acho que quem tem renda maior tem mais contato", diz.

Ela opina que programação poderia ser ensinado no ensino básico. "Acho que deveríamos ver isso na escola, afinal, é uma das profissões [mais importantes de hoje]."

O aplicativo foi apresentado durante um evento da ONG Ismart na sede do Google em São Paulo. O instituto oferece bolsas de estudo para alunos de escolas públicas estudarem por uma plataforma online e desenvolverem projetos, como a criação de apps, ou para que possam entrar em colégios particulares cuja mensalidade não poderiam pagar.

Divulgação
Sâmela Cesar, 13 (com o microfone), fala durante evento do Ismart Online no Google Brasil, em São Paulo
Sâmela Cesar, 13 (com o microfone), fala durante evento do Ismart Online no Google Brasil, em SP

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