Folha de S. Paulo


Governo mais atrapalha que ajuda expansão da internet, diz pesquisador

O Brasil caminha com lentos passos na essencial corrida pela universalização do acesso à internet com qualidade, e o governo vem exercendo seu papel de maneira medíocre, segundo o pesquisador americano Peter K Knight, especialista no desenvolvimento da rede no Brasil.

"O governo vem dando pouca prioridade, e quando fez algo não foi com o instrumento ideal para fazê-lo", disse em entrevista à Folha pelo telefone, dando o exemplo da reativação da Telebrás no desenvolvimento do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga). "Houve alocação de verba escassa e com foco só nos Estados onde havia cidades-sede da Copa, mais ou menos para inglês ver."

Autor do livro "A Internet no Brasil: Origens, Estratégia, Desenvolvimento e Governança" (AuthorHouse, 2014), Knight foi chefe da divisão sobre o país no Banco Mundial durante 20 anos. Durante sua formação de PhD em economia pela Universidade Stanford, fez pesquisa de campo no Brasil.

A conexão no país "ainda é cara, a velocidade média é baixa, a qualidade não é das melhores, especialmente se comparada a modelos como Coreia do Sul e Cingapura, o país está muito atrasado. Mas, para um país em desenvolvimento e grande, não vai tão mal; compara-se a EUA e Índia."

Knight propõe que a alta tributação do setor (segundo estudos que menciona, entre as mais altas de todos os da economia no Brasil, a 43%) seja mudada para que a expansão da rede no país ganhe impulso. "É uma herança maldita desde quando serviços de telecomunicações eram um luxo, e só havia monopólios."

"Considerando-se que a competição no setor continue, isso abaixaria o preço para o consumidor", diz. "A receita [arrecadação tributária] só aumentaria, por causa da expansão [do consumo] nas rendas mais baixas, sem contar o resultante crescimento econômico."

Segundo o ranking mais completo sobre banda larga mundial, feito pela Akamai, o Brasil está na 89ª colocação em velocidade média, com 3 Mbps, só dois terços da média mundial (4,5 Mbps).

As teles tampouco vêm fazendo sua parte de maneira competente, diz Knight. As operadoras, que deveriam prover o acesso em alta velocidade em todas escolas públicas, segundo o Programa Banda Larga nas Escolas, deixa 21,5% das instituições no país sem internet rápida –algumas delas sem qualquer tipo de conexão, segundo dados do CGI (Comitê Gestor da Internet).

Ele apresentou as ideias durante um congresso da RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, ligado ao Ministério da Ciência) realizado em Vitória (ES) na semana passada. Os slides da palestra podem ser vistos aqui.

Knight afirma que a maior exigência das classes ascendentes em relação aos seus direitos, inclusive o por internet de boa qualidade, pode mudar o cenário atual. "Estão cada vez mais conscientes do que não estão recebendo. Talvez, com a pressão do voto, os partidos venham a responder a essa demanda."

Outra solução que propõe para aumentar a capilaridade da banda larga são as parcerias entre pequenas e médias empresas, governo e universidades para levar fibra ótica às cidades menores, além de investir mais no momento da instalação para aumentar o potencial de exploração econômica da estrutura.

"Dobrar o número de fibras aumenta o investimento em só 10%, e isso pode ser depois alugado para pequenos provedores, por exemplo."

Na semana passada, as operadoras divulgaram que a expansão da fibra ótica –suporte mais rápido e mais longevo, ou "futureproof" (imperecível), segundo Knight– está passando por uma desaceleração no Brasil.

BONS EXEMPLOS

"Também há coisa boa" na governança da rede mundial de computadores no Brasil, para Knight, que elogia o próprio PNBL, apesar de suas carências. O CGI é um deles: "Tem sido muito citado em encontros mundiais sobre isso."

"O papel do pequeno e médio provedores [de acesso] aqui é extraordinário", afirma, mencionando a Net Rocinha, no Rio. "Estão levando fibra ótica para as casas no morro, e eu não consigo isso na minha casa na av. Atlântica."

Ele elogia o PGMC (Plano Geral de Metas para Competição), de incentivo à concorrência entre as teles, mas critica a falta de transparência do governo e o precário cumprimento à Lei de Acesso à Informação, que fez três anos no último dia 16.

Sobre a atual polêmica que envolve a iniciativa do Facebook para permitir acesso gratuito à rede por meio do celular no país e os defensores da neutralidade de rede, Knight afirma que, "dada a escassez de recursos", o projeto –chamado Internet.org– pode ser positivo. "Quem não tem cão, caça com gato."

Ele vê com bons olhos o programa Amazônia Conectada, do Exército, que está tentando levar internet a populações ribeirinhas na região por meio de fibras óticas subfluviais.


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