Folha de S. Paulo


40 anos depois, cofundador da Microsoft pondera sobre sua criação

Se considerarmos a abrangente linha de produtos da Microsoft e seus 118 mil funcionários, é fácil esquecer que a empresa começou com um produto modesto, criado por dois sujeitos ambiciosos.

No começo de abril, um deles, Paul Allen, ofereceu um lembrete sobre as origens humildes da Microsoft ao postar no Twitter uma foto para celebrar o 40º aniversário da empresa. A foto mostrava as primeiras linhas de código do primeiro produto de software da Microsoft, um programa de interpretação da linguagem de programação Basic, desenvolvido por Allen e Bill Gates em 1975.

"É estranho olhar para trechos de código que você escreveu 40 anos atrás e pensar que aquilo levou ao que a Microsoft é hoje", disse Allen, 62, em uma entrevista por telefone, em uma voz que soava realmente admirada.

Na semana passada, executivos da Microsoft ofereceram um vislumbre de diversos produtos novos, o mais novo esforço da companhia para atrair o interesse da mais recente geração de desenvolvedores de software, que a trocaram por tecnologias concorrentes como a do Google Android e Apple iOS, nos últimos anos. Por isso, o momento parecia apropriado para perguntar a Allen como ele via a Microsoft aos 40 anos.

Ao contrário de Gates, que trabalhou em tempo integral para a Microsoft até 2008, Allen deixou a companhia no começo dos anos 80, para tratar um linfoma de Hodgkin. A fortuna dele é estimada em US$ 17 bilhões (cerca de R$ 52 bilhões) pela revista "Forbes", e o empresário diz que ainda acompanha atentamente a Microsoft e o setor de tecnologia, mas já não é um dos maiores acionistas da empresa.

Embora a Microsoft esteja se saindo bem junto aos seus clientes empresariais, Allen diz acreditar que a mais desafiadora tarefa para a companhia, hoje, é ganhar ímpeto no mercado móvel, onde Apple e Google são muito mais influentes junto aos desenvolvedores.

"É possível fazê-lo", diz Allen. "Mas reconquistar mercado perdido é um grande desafio".

Beatrice de Gea - 31.jan.2014/The New York Times
Paul Allen, 62, que fundou a Microsoft ao lado de Bill Gates, em Nova York
Paul Allen, 62, que fundou a Microsoft ao lado de Bill Gates, em Nova York

Allen diz ter gostado do novo sistema operacional Windows 10, que a Microsoft lançará na metade do ano e poderá ser usado em diversos tipos de aparelhos, entre os quais o console de videogame Xbox One, smartphones Microsoft e computadores pessoais. A equipe técnica que o assessora havia acabado de lhe dar um computador usando uma versão de teste do novo programa, na manhã de sexta-feira (1º).

Allen parecia especialmente entusiástico por o Windows 10 ter abandonado, nos computadores pessoais, algumas das mudanças de design mais radicais que a Microsoft adotou em versões anteriores do software. Muitas delas provocaram protestos dos usuários do Windows, entre as quais "o modo pelo qual o tradicional menu iniciar, para o lançamento de aplicativos, ficou escondido".

"É como a alavanca de câmbio em um carro", diz Allen. "Você quer que ela funcione de determinada maneira. A Microsoft hoje é muito melhor em ouvir o mercado".

Perguntei a Allen que smartphone ele usava –muitos dos executivos e ex-executivos da empresa usam o Apple iPhone. "Preciso largar meu velho BlackBerry", ele disse. "Mas meus polegares voam sobre aquele teclado, e eu digito muito rápido".

Allen diz ter visitado a Microsoft alguns meses atrás para ver uma demonstração do HoloLens, o novo headset de realidade aumentada da companhia, que combinará imagens virtuais ao que uma pessoa vê de seu ambiente físico. Mais do que outros produtos da Microsoft, o HoloLens parece ter sido teleportado do futuro.

Será que Allen, conhecido entusiasta da ficção científica, está empolgado e pretende usá-lo?

Ele descreve o HoloLens como "muito interessante", mas prevê que vai demorar dois a três anos até que o produto encontre público de massa, e compara a situação à demora na adoção inicial de computadores pessoais, até que começassem a surgir aplicativos fortes. "Estamos naquele período inicial, antes que a coisa se torne um produto de massa".

O papel que ele exerce na Microsoft, segundo Allen, é o de consultor informal dos executivos. Ele disse que almoça com Satya Nadella, o presidente-executivo da empresa, a cada seis meses, mais ou menos, e que mantém contato com Steve Ballmer, o predecessor de Nadella. Ele diz que os líderes da Microsoft têm um trabalho único, porque a companhia compete em tantos mercados diferente.

"É o que eu disse a Steve e Satya –que o trabalho deles é muito desafiador porque têm mais concorrentes do que qualquer outro presidente-executivo de uma grande empresa mundial", revela Allen.

MUNDO ANALÓGICO

Hoje, Allen talvez seja mais conhecido por suas empreitadas ecléticas fora da tecnologia. Ele é dono do Seattle Seahawks, um time de futebol americano, e do Portland Trail Blazers, um time de basquete, e um importante incorporador imobiliário em sua cidade, Seattle.

Allen está desenvolvendo um sistema para lançar espaçonaves de um avião. Em março, uma equipe de pesquisadores à bordo de seu gigantesco iate encontrou os destroços de um couraçado (navio bélico) japonês da Segunda Guerra, perto das Filipinas, usando um minisubmarino.

Quase dois anos atrás, Allen fundou um grupo privado de pesquisa em Seattle para buscar avanços na inteligência artificial. Oren Etzioni, o empreendedor e cientista da computação recrutado por Allen para comandar o grupo, disse que Allen estava muito envolvido no trabalho da equipe de 40 pessoas.

"Bem no fundo, ele continua a ser antes de tudo engenheiro", disse Etzioni.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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