Folha de S. Paulo


Microsoft tenta derrubar muros para se misturar a rivais

Stephen Lam/AFP
Diretor da Microsoft, Satya Nadella fala durante a conferência Build, em San Francisco
Diretor da Microsoft, Satya Nadella fala durante a conferência Build, em San Francisco

Para uma empresa que se acostumou com acusações de práticas monopolistas nas últimas duas décadas, é hora da Microsoft derrubar os próprios muros para atrair gente ao seu jardim.

Na semana passada, foi realizada a conferência de desenvolvedores da companhia, a Build. É um dos eventos anuais mais importantes na agenda da companhia e funciona como vitrine para os seus objetivos. Nela, palavras como "multiplataforma" e "universal" dominaram o discurso.

E, claro, foram feitos diversos anúncios que mostram a intenção da empresa em misturar os seus produtos com os de rivais.

Um deles é que apps feitos para Android e iPhone poderão ser levados para o Windows. A Microsoft oferecerá ferramentas para que os desenvolvedores utilizem a maior parte do código escrito para as plataformas rivais também em seu sistema operacional.

A empresa já vinha sinalizando a intenção de marcar presença em qualquer tipo de plataforma. Passou a criar, por exemplo, bons aplicativos para Android e iOS. Mas a abertura também pode ser vista como um grito de desespero.

Quase cinco anos após o seu lançamento, o Windows Phone ainda tem presença pálida. No ano passado, mordeu apenas 2,7% do mercado, segundo a consultoria IDC. A falta de apps sempre foi considerada um dos motivos para a plataforma não levantar voo. Com poucos usuários, os desenvolvedores têm pouco incentivo a investir na plataforma, gerando um ciclo vicioso.

Abrir o Windows para apps de rivais é uma tentativa de alavancar os números. A estratégia não é inédita na indústria. Em 2012, a BlackBerry anunciou que teria suporte para aplicativos de Android –e a empresa canadense ocupava uma posição um pouco melhor no mercado (cerca de 10%). Não deu certo.

A estratégia da Microsoft, porém, vai além dos apps. Até em mercados nos quais lidera, ela anunciou abertura. O Microsoft Edge, novo navegador que enfim foi batizado oficialmente (vinha sendo chamado de projeto Spartan), terá suporte a extensões criadas para os rivais Chrome e Firefox.

Mesmo com o domínio do Internet Explorer (60% do mercado, segundo a consultoria NetMarketShare), a Microsoft quer atrair os usuários dos rivais, que não andam tão contentes com o Google e a Mozilla.

Para completar o trabalho multiplataforma, a Microsoft também anunciou uma ferramenta para o desenvolvimento de apps, o Visual Studio Code, compatível não apenas com Windows, mas também com Mac e Linux. A oferta é incomum e surpreendeu muitos desenvolvedores.

CONTINUAÇÃO

A Build também serviu para mostrar um pouco mais como a Microsoft pretende quebrar barreiras também entre diferentes classes de dispositivos. Em janeiro, ela já havia apresentado o conceito de "Continuum", ideia de que uma única plataforma se adapta a diferentes aparelhos, como celulares, tablets, notebooks, relógio e qualquer outra máquina, como os óculos de realidade aumentada HoloLens.

Agora a empresa expandiu um pouco mais de sua visão. Na demonstração liderada por Joe Belfiore, vice-presidente do grupo de sistemas operacionais, um smartphone foi conectado a uma tela grande e adaptou sua interface. De repente, parecia que a mesma demonstração estava acontecendo em um desktop tradicional. A adaptação era automática.

É uma visão da mesma empresa que há apenas três anos tinha em suas mãos três plataformas que não conversavam entre si: Windows 8 (notebooks, tablets e híbridos), Windows RT (tablets) e Windows Phone. Cada uma delas exigia apps específicos.

Agora, um único aplicativo funcionará em todos eles. O objetivo, segundo a empresa, é atingir 1 bilhão de dispositivos nos próximos três anos.

Mas, claro, a visão de "Continuum" apresentada vai exigir novo hardware. Não basta ligar qualquer smartphone Lumia de baixo custo a uma TV. A empresa diz que falará em breve sobre que tipo de hardware será exigido.

REALIDADE AUMENTADA

A ideia de quebrar barreiras da Microsoft parece não significar apenas mudar o tamanho de tela sem as dores do crescimento ou do encolhimento. Com o HoloLens, óculos de realidade aumentada apresentado em janeiro, o objetivo é romper as barreiras da tela.

No começo do ano, a companhia já havia apresentado algumas aplicações, como jogar "Minecraft" na sala ou fazer chamada pelo Skype enquanto se executa uma outra ação. Na Build, foram feitas outras demos que impressionaram.

Entre elas, estavam a capacidade de explorar as diversas camadas do corpo humano, um crânio de dinossauro, ou um modelo de prédios em projetos arquitetônicos -é uma expansão que vai além do entretenimento e tenta trazer realidade aumentada e realidade virtual para o ambiente profissional.

Até uma parceria com a Unity Technologies foi anunciada para que os óculos tenham suporte a potentes ferramentas usadas na criação de games como "Deus Ex: The Fall".

O importante, porém, é que o HoloLens é na verdade um computador potente com Windows 10. E é a demonstração mais impressionante de que a Microsoft não quer saber mais de barreiras –até que domine o mercado novamente.


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