Folha de S. Paulo


Neutralidade toma o debate, mas fica fora de texto final de evento sobre web

A neutralidade da rede entrou como ponto a ser discutido no futuro e ficou fora do documento final da NETMundial, encontro que reuniu 97 países em São Paulo e terminou hoje, para discutir o futuro da governança da internet.

A menção ou não ao conceito atrasou a divulgação do texto e opôs Brasil a Estados Unidos e União Europeia, que se posicionaram contrários ao uso da palavra.

No texto final divulgado, um dos pontos aborda o conceito apenas indiretamente, ao dizer que o tráfego de pacotes de dados deve ser "livre, de ponta a ponta, a despeito de seu conteúdo".

Antes da leitura, Fadi Chehadé, presidente da Icann, uma das entidades que controlam a rede e organizou o evento, disse que a conferência é histórica. "Nunca se atingiu um consenso desse, com tantas partes, fora de uma reunião da ONU."

Apesar de a neutralidade ter virado foco, o objetivo inicial do encontro era discutir a administração da internet e seu controle multissetorial.

Assim, o texto final defende que a governança da rede tenha a participação de governos, setor privado, sociedade civil, usuários e comunidades técnica e acadêmica.

A redação diz ainda que a rede deve ter uma administração aberta, participativa, transparente, fiscalizável, inclusiva e equilibrada. O evento também procurou incentivar a inclusão digital.

Ao lado de Índia e Cuba, o representante da Rússia criticou a redação final. "As decisões foram tomadas por um comitê já formado e não conseguimos entender os critérios. Nossas contribuições foram ignoradas. Esse documento irá promover a desigualdade na internet entre os países".

O porta-voz da sociedade civil também falou em desapontamento. "O documento final falha em refletir algumas de nossas principais preocupações. A falta de reconhecimento da neutralidade de rede e de condenação da vigilância em massa."

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que defendeu a inserção do termo durante as reuniões, disse estar satisfeito com o resultado, mas pediu que os debates sobre neutralidade da rede continuem.

NEUTRALIDADE POLÊMICA

A polêmica acerca da neutralidade começou em uma plenária da manhã, em que um embaixador americano pediu para que a discussão ficasse de lado, já que atrapalhava a evolução da conferência. Ele sugeriu ainda que o assunto fosse discutido no IGF (Fórum de Governança da Internet), que acontecerá em setembro na Turquia.

Neelie Kroes, representante da União Europeia, diz que o conceito de neutralidade de rede ainda está sendo discutido em cada pais e portanto não é possível atingir consenso sobre o assunto.

"Há algumas interpretações diferentes, e eu acabei de passar por essa experiência durante o debate no Parlamento europeu", disse. "Mas, no fim das contas, todos estamos cientes que neutralidade de rede significa uma internet livre e justa."

"Ela significa coisas diferentes em partes diferentes do mundo. A ideia de, em dois dias, alcançar uma linguagem de consenso para pôr num papel era, penso, improvável de acontecer", disse à Folha Lawrence Strickling, secretário-assistente de Comércio dos EUA.

A posição faz menção ao fato de a FCC (Comissão Federal de Comunicações) norte-americana propor a permissão para que provedores de acesso cobrem de empresas para levar seu conteúdo aos usuários com maior velocidade ou qualidade.

O modelo é diferente do defendido pelo governo brasileiro no Marco Civil, de que a neutralidade pressupõe não realizar cobranças diferenciadas por velocidade de acordo com o conteúdo. Na interpretação das teles brasileiras, porém, há margem para a cobrança diferenciada.


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