Folha de S. Paulo


Análise: Não existem mais segredos na internet

Qualquer um que pode vigiá-lo irá vigiá-lo. No mundo da tecnologia, essa é uma das maiores lições de 2013.

A NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) e sabe-se lá quem mais têm rastreado isso, hackeado aquilo. A China tem invadido nossos computadores. O Google tem examinado nossas redes de casa em busca de informações importantes. O Facebook tem remendado suas opções de privacidade.

Não é surpresa que alternativas como o Snapchat tenham explodido na cena. Elas parecem ir contra a maré, carregando a promessa de que todos aqueles "selfies", mensagens de texto e e-mails simplesmente vão sumir.

Voltado para jovens, o Whisper supostamente permite às pessoas compartilhar segredos anonimamente através do smartphone. O app Telegram tem sido considerado a versão adulta do Snapchat.

Mas o fato é que muitos serviços que afirmam oferecer privacidade não a entregam realmente. É só ler as letras miúdas.

"Só porque a informação está indisponível, invisível para você, não significa que ela não está sendo coletada, armazenada ou até mesmo vista por mais alguém durante o envio", diz Edward Felten, um professor de ciência da computação e relações públicas de Princeton.

Divulgação
Imagens do aplicativo Snapchat para Android
Imagens do aplicativo Snapchat para Android

A página de privacidade do Snapchat explica que imagens privadas são armazenadas no telefone do usuário --e nos servidores do serviço. "Mesmo depois de deletadas", elas podem ser recuperadas, segundo o Snapchat.

Os termos do Whisper dizem que a empresa é dona da propriedade intelectual (imagens ou textos) que as pessoas publicam; o serviço se reserva ao direito de vender esse conteúdo a terceiros.

E o Telegram, aparentemente menos prejudicial com suas políticas, deixa de fora algo que você pode querer saber: qualquer um pode capturar ou fotografar aquela conversa "particular".

"Mesmo que haja todos esses tipos de barreiras tecnológicas que os serviços de mensagens instantâneas autodestrutivas colocam, alguém pode tirar uma foto do telefone", afirma Kurt Opsahl, um advogado da Electronic Frontier Foundation, uma organização de liberdade civil. "Se eles podem ver com os olhos, podem ver com uma câmera."

Na maioria dos casos, o seu provedor de internet ou a sua operadora de celular consegue vigiar cada clique seu.

Mesmo quando esses apps de mensagens não estão monitorando suas conversas, a NSA e outras agências do governo estão. Elas estão por toda parte. Até mesmo pessoas que jogam games de fantasia como "World of Warcraft" estão sendo vigiadas, de acordo com documentos vazados por Edward Snowden.

Pior: as olhadinhas não acontecem só nos computadores pessoais e nos notebooks. Em nosso mundo que gira em torno dos dispositivos móveis, acontecem em todo lugar. Através de nossos celulares, nossa localização está sendo calculada. A NSA pode até descobrir com quem estamos ao triangular os locais por onde os aparelhos passaram.

A NSA não respondeu a um pedido de comentário, mas o argumento de algumas empresas e grupo governamentais é: se você não está fazendo nada de errado, não há nada com que se preocupar.

CONTRAPARTIDA

Se você não consegue encontrar privacidade num jogo com trolls e goblins ou num aplicativo de conversas que desaparecem, o que pode ser feito?

"É bem claro que tecnologias de rastreamento tomaram o espaço de controles democráticos", diz Ben Wizner, diretor do projeto de discurso, privacidade e tecnologia da ACLU (União Americana das Liberdades Civis, na sigla em inglês). "Aprendemos neste ano que as agências estão determinadas a nos vigiar, e que não podemos fazer muita coisa sobre isso."

Mas existe uma coisa que Wizner disse que pode e deve acontecer. Tecnologistas são capazes de construir ferramentas que podem prevenir tal vigilância --ferramentas que vão além de apps de mensagens autodestrutivas e que poderiam proteger a privacidade de todo mundo.

"Esse pode ser um daqueles momentos únicos de uma geração em que recalibramos os poderes dos cidadãos e do Estado", afirma. "E essa mudança pode acontecer no lado tecnológico, no qual tecnologistas desapontados pelo monitoramento incessante usarão suas habilidades para tornar a vigilância mais custosa."


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