Folha de S. Paulo


'Desigualdade digital' preocupa EUA; 60 milhões não usam internet no país

A administração de Obama despejou bilhões de dólares para expandir o alcance da internet, e quase 98% das residências americanas agora têm acesso a alguma forma de banda larga de alta velocidade.

Mas dezenas de milhões de pessoas ainda estão à margem da revolução digital.

"O emprego para o qual estou me candidatando agora requer que eu saiba operar um computador", disse Elmer Griffin, 70, um motorista de caminhão aposentado de Bessemer, Alabama, que recentemente foi rejeitado para um trabalho em uma loja de peças de automóvel por ser incapaz de usar o computador para checar o estoque.

"Queria saber como fazer isso, realmente queria. As pessoas não querem nem falar com você se você não sabe usar a internet."

Nathan Weber/The New York Times
Alunos de um curso para adultos de informática e internet no FamilyCenter, da Smart Communities de Chicago, Illinois
Alunos de um curso para adultos de informática e internet no FamilyCenter, da Smart Communities de Chicago, Illinois

Griffin está entre os cerca de 20% dos adultos americanos que não usam a internet em casa, nem no trabalho ou na escola, ou por meio de um dispositivo móvel.

Essa estatística permaneceu praticamente inalterada desde que Barack Obama assumiu e iniciou um esforço de US$ 7 bilhões para expandir o acesso à rede, majoritariamente com iniciativas para construir sistemas com fio e sem fio de conexão em áreas negligenciadas do país.

Representantes do governo e especialistas dizem que há uma crescente preocupação sobre uma parte significante da população --cerca de 60 milhões de pessoas-- que vem sendo excluída de seus empregos, serviços governamentais, acesso à saúde e à educação, e sobre seus crescentes efeitos econômicos.

DISPARIDADES SOCIAIS

A persistente desigualdade digital --causada pela incapacidade de pagar pelo acesso à internet, pela falta de interesse ou pela falta de intimidade com computação-- também está aumentando as disparidades social e econômica nos EUA, dizem especialistas.

"Enquanto os procedimentos vão sendo levados para o mundo on-line, as opções off-line ficam cada vez mais raras", diz John B. Horrigan, pesquisador do Joint Center de estudos políticos e econômicos. "Grande parte dos empregadores não aceita candidaturas de trabalho feitas off-line. Isso significa que, se você não tem internet, pode ser realmente marginalizado."

Entre as residências de famílias brancas americanas, 76% usam a internet, em contraste com os 57% das residências de famílias negras, segundo o relatório "Explorando a Nação Digital", um relatório do Departamento de Comércio dos EUA lançado neste verão com base em dados de 2011.

Os números também mostram que o uso de internet, no geral, é muito mais alto entre aqueles com alguma vivência acadêmica e com renda familiar anual superior a US$ 50 mil.

As baixas taxas de adoção da internet entre pessoas mais velhas continuam um grande obstáculo. Um pouco mais da metade dos americanos com 65 anos ou mais usam a internet, comparados com mais de 75% daqueles com menos de 65.

Nathan Weber/The New York Times
A instrutora Graciela Diaz (esq.) dá aula de conceitos de internet básicos para adultos em centro FamilyNet de Chicago
A instrutora Graciela Diaz (esq.) dá aula de conceitos de internet básicos para adultos em centro FamilyNet de Chicago

Além disso, o uso de internet é mais baixo no sul, particularmente nos Estados de Mississippi, Alabama e Arkansas.

Willa Ohnoutka, 78, que vive na mesma casa no subúrbio da cidade de Houston, Texas, há 40 anos, diz que não usa em qualquer circunstância a internet. "Uso o telefone", disse Ohnoutka. "Vejo as notícias na TV. Simplesmente não me sinto confortável para me envolver com a internet."

PREÇO

Outros citam os custos como a razão para não usar a internet.

"Sou pão-duro", disse Craig Morgan, 23, um carpinteiro de Oxford, Mississippi. Até agora, ele vem conseguindo passar sem conexão de internet em casa, mas apesar de usar um smartphone para estar on-line, ele diz que isso tem limitações.

"Quando chegamos em casa, depois de sair do hospital com nosso novo bebê, há dois meses", o hospital "tirou fotos e as pôs on-line", disse. "Tivemos que ir à casa dos meus sogros para pedi-las."

Gloria Bean, 41, uma assistente de professora primária da cidade de Calhoun, Mississippi, diz que o custo também foi uma razão para ela não ter internet em casa durante três anos.

"Simplesmente não podia pagar por isso", disse. Estar off-line, disse, "afetou a mim e a minhas crianças."

"Elas têm de ter internet para pesquisar para trabalhos escolares ou coisas que precisam para as aulas", disse Bean.

Como consequência, disse, ela frequentemente sai rápido de seu trabalho para pegar suas crianças e levá-las à biblioteca, onde há 10 computadores.

INCENTIVO

A administração Obama alocou US$ 7 bilhões para expandir a banda larga como parte do pacote de estímulos econômicos de 2009. A maior parte disso foi para construir redes físicas. Cerca de metade desses gastos em infraestrutura foram completados, com a capilaridade da internet batendo em 98% --ante os anteriores 90%.

Cerca de US$ 500 milhões do pacote foram para ajudar as pessoas a aprenderem a usar a internet. Esses programas foram altamente bem-sucedidos, apesar de em uma escala pequena, proporcionando mais de meio milhão de residências que assinam algum serviço de internet, mostram as estatísticas do Departamento de Comércio.

Admitimos que mais trabalho precisa ser feito para que nenhum americano fique para trás", diz John B. Morris Jr., diretor de políticas de internet do braço de telecomunicações do Departamento de Comércio. "Aumentar a adoção de banda larga é um desafio complexo, multifacetado e sem uma solução simples."

A porcentagem de pessoas com mais de 18 anos nos EUA que adotaram o uso de internet nas duas últimas décadas cresceu em taxa que não havia sido vista desde a popularização do telefone, multiplicando-se quase por cinco desde os 14% de 1995.

Apesar de esse crescimento ter-se desacelerado nos últimos anos, chegou a mover-se para próximo de 80% da população no começo da administração de Obama, em 2009, de acordo com vários estudos acadêmicos e do governo.

ESTAGNAÇÃO

Desde então, contudo, esse número mal se mexeu, flutuando entre 74% e 79% em 2011, de acordo com um estudo do Pew Internet and American Life Project. Seu relatório mais recente mostra que a estatística oscilou neste ano entre 81% e 85%, pequeno aumento que especialistas atribuem à ainda crescente popularidade de smartphones.

A maior parte dos usuários de smartphone também tem conexões em casa, contudo, e não enfrentam os problemas de renda ou de familiaridade com informática que causou a estagnação da adoção da internet.

Mesmo nesse alto nível de uso da internet, contudo, os EUA --de longe a maior economia do mundo-- ficou em sétimo lugar entre 20 nações nesse quesito em 2012, caindo da quarta colocação no ano 2000, de acordo com a ITU (União Internacional de Telecomunicações), da ONU.

À frente dos EUA estão a Alemanha, a Austrália, o Canadá, a Coreia do Sul, a França e o Reino Unido, assim como quase qualquer outro país pequeno na Europa Ocidental.

Aaron Smith, um pesquisador do Pew Project, disse que quando o centro perguntou aos usuários se eles acreditaram estar perdendo alguma coisa ou estar em desvantagem por não usar a internet, a maior parte dos americanos mais velhos disse que não. "Mas quando você excluía os idosos", disse, "a maior parte disse 'sim, sinto que não estou acessando todas as coisas de que preciso'."

Colaboraram CYNTHIA HOWLE, GLENNY BROCK e ALAN BLINDER
Tradução de YURI GONZAGA


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