Folha de S. Paulo


Pesquisadores desenvolvem pílulas com sensores para monitorar pacientes

Parecem comprimidos comuns, alongados e um pouco menores que vitaminas diárias. Mas, se o seu médico prescrevê-los num futuro não muito distante, poderá haver uma reviravolta num antigo clichê: "Tome dois desses computadores digeríveis, e eles me mandam um e-mail pela manhã".

Enquanto a sociedade luta contra problemas de privacidade relacionados a computadores vestíveis como o Google Glass, cientistas, pesquisadores e algumas start-ups já preparam a próxima e mais intrusiva onda da computação: aparelhos digestíveis e sensores minúsculos alocados dentro de comprimidos.

Embora esses dispositivos ainda não estejam disponíveis ao público, algumas pessoas já os engolem para monitorar dados de saúde e compartilhá-los, pela internet, com um médico. E existem ainda protótipos de aparelhos miúdos que podem fazer coisas como abrir as portas do carro ou preencher campos de senha.

Para trabalhadores de profissões extremas, como viagem ao espaço, várias versões dessas pílulas já são usadas há algum tempo. Mas, no próximo ano, o médico da sua família --se ele for adepto à tecnologia-- poderá tê-las em seu kit de medicina.

Dentro desses comprimidos estão pequenos sensores e transmissores. Você os engole com água, leite, o que preferir. Depois disso, eles seguem ao estômago e percorrem o intestino intactos.

"Você irá --voluntariamente, devo dizer-- tomar uma pílula que você pensa ser um medicamento, mas na verdade é um robô microscópico que irá monitorar seus sistemas" e transmitir o que está acontecendo pela rede, disse Eric Schmidt, presidente do conselho do Google, numa conferência da companhia no último outono. "Se eles fizerem a diferença entre a vida e a morte, você vai querer tomá-los."

Uma das pílulas, feita pela Proteus Digital Health, uma pequena empresa em Redwood City, na Califórnia, não precisa de bateria. No seu caso, o corpo é a fonte de energia. Assim como uma batata pode acender uma lâmpada, a Proteus adicionou magnésio e cobre em cada lado de seu sensor, de forma que os ácidos estomacais gerem energia suficiente para fazê-lo funcionar.

Quando a pílula da Proteus atinge o fundo do estômago, envia os dados coletados para um aplicativo de celular. O computador pode monitorar o comportamento do uso dos medicamentos ("A Vovó já tomou seu remédio hoje? A que horas?") e como o corpo do paciente está reagindo aos remédios. Ele também detecta os movimentos da pessoa e seu padrão de descanso.

Executivos da empresa, que arrecadaram, recentemente, US$ 62,5 milhões (R$ 141 mi) de investidores, acreditam que essas pílulas vão ajudar pacientes com problemas físicos e neurológicos. Pessoas com dificuldades relacionadas ao coração poderiam monitorar o fluxo sanguíneo e a temperatura corporal; aqueles com problemas no sistema nervoso, incluindo esquizofrenia e mal de Alzheimer, poderiam monitorar seus sinais vitais em tempo real.

A Administração de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aprovou o comprimido da Proteus na ano passado.

Uma pílula chamada CorTemp, feita pela HQ Inc., em Palmetto, na Flórida, tem uma bateria interna e transmite, em tempo real, a temperatura do corpo enquanto percorre o interior do paciente.

Bombeiros, jogadores de futebol, soldados e astronautas tem usado esses dispositivo, para que seus empregadores os monitorem e se certifiquem de que seus corpos não superaqueçam. Lee Carbonelli, chefe de marketing da HQ, disse que a companhia esperava ter, no ano que vem, uma versão para o público que se comunicasse com um app para smartphones.

Gerações futuras dessas pílulas poderiam ser ferramentas de conveniência.

No mês passado, Regina Dugan, vicepresidente sênior do grupo de tecnologia avançada da Motorola, exibiu um exemplo desse uso --junto com tatuagens de identificação de frequências de rádio que grudam à pele como adesivos-- na conferência D:All Things Digital.

Tendo a pílula em seu corpo, você poderá ter acesso ao seu smartphone sem a necessidade de digitar uma senha. Porque, em vez disso, você será a senha. Sente no carro e ele será ligado. Toque a maçaneta da porta de casa e ela será destravada automaticamente. "Seu corpo se tornará um token de autenticação, disse Dugan.

Mas, se as pessoas estão preocupadas com privacidade por causa da ascensão dos computador vestíveis, espere só até elas descobrirem os computador digestíveis.

"Essa é apenas outra daquelas tecnologias que nos trazem opções maravilhosas e terríveis ao mesmo tempo", disse John Perry Barlow, cocriador da Electronic Frontier Foundation, um grupo de advocacia especializado em privacidade.

"A vantagem é que há um grande número de coisas que você quer saber sobre si mesmo numa base contínua, especialmente se você é diabético ou sofre de alguma outra doença. A desvantagem é que a operadora do seu plano de saúde poderá saber todo o funcionamento do seu corpo."

E se esse minúsculo computador dentro de você fosse hackeado? Digamos que isso seria um problema.

Existe ainda uma última pergunta para essa pílula. Depois que ela faz seu trabalho, passando pelo estômago e pelo intestino, o que acontece? "Ela atravessa o seu corpo naturalmente em 24 horas", disse Carbonelli, da HQ. Mas, como cada pílula custa US$ 46 (R$ 104), "algumas pessoas escolhem recuperá-la e reciclá-la."


Endereço da página: