Folha de S. Paulo


Computadores controlados pela mente devem chegar ao público em breve

Na semana passada, engenheiros que farejavam o código de programação do Google Glass encontraram maneiras de como as pessoas podem interagir com o computador vestível sem dizer nenhuma palavra. Um usuário pode, por exemplo, acenar com a cabeça para ligar e desligar o aparelho; com uma piscada, é possível tirar uma foto.

Mas esses gestos não serão necessários para sempre. Logo poderemos nos relacionar com nossos smartphones e computadores só com o poder da mente.

Em alguns anos, poderemos acender e apagar as luzes de casa só com o pensamento ou enviar um e-mail de nosso smartphone sem sequer tirar o dispositivo do bolso. Num futuro mais distante, seu robô assistente vai aparecer do seu lado com um copo de limonada porque saberá que você está com sede.

Pesquisadores do Laboratório de Tecnologias Emergentes da Samsung estão testando tablets que podem ser controlados pelo cérebro, com o uso de um chapéu repleto de eletrodos de monitoramento, segundo o "MIT Techonology Review", publicação de ciência e tecnologia do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT).

A tecnologia, normalmente chamada de interface cérebro-computador, foi concebida para ajudar pessoas com paralisia e outras deficiências a interagir com computadores e braços robóticos, tudo com a força do pensamento. Em breve, essa técnica também pode estar presente em eletrônicos voltados para o grande público.

NÃO É SÓ FICÇÃO

Alguns produtos de leitura cerebral mais primitivos já existem, permitindo às pessoas jogar games simples ou mover o cursor do mouse em uma tela.

A NeuroSky, uma empresa de San Jose, na Califórnia, lançou recentemente um aparelho que pode monitorar pequenas mudanças nas ondas cerebrais e possibilita ao usuário jogar games de concentração em computadores e smartphones. Estão incluídos um jogo de caçar zumbis, um de tiro com arco e outro de desviar de balas --todos usam a mente como joystick.

Outra companhia, a Emotiv, vende um dispositivo que parece uma mão gigante de um alienígena e pode ler ondas cerebrais associadas a pensamentos, sentimentos e expressões. Ele pode ser usado para jogar games similares ao Tetris ou fazer buscas no Flickr de acordo com o que o usuário está sentindo --felicidade, entusiasmo-- em vez de usar palavras-chave.

O Muse, uma espécie de bandana bem leve, pode se conectar a um aplicativo que "exercita o cérebro" forçando as pessoas a se concentrarem em aspectos da tela, como se levasse o orgão à academia.

Fotomontagem
O Muse, bandana leve e sem fio, pode interagir com computadores, iPads e smartphones com o poder da mente
O Muse, bandana leve e sem fio, pode interagir com computadores, iPads e smartphones

Fabricantes do setor automobilístico estão explorando tecnologias acopladas à traseira dos bancos que detectam quando uma pessoa cai no sono enquanto dirige e chacoalham o volante para acordá-la.

Mas os produtos disponíveis no mercado atualmente logo se tornarão arcaicos. "É como se as tecnologias do cérebro de hoje em dia estivessem num dirigível tentando escutar uma conversa num campo de futebol", disse o neurocientista John Donoghue, diretor do Instituto de Ciências Cerebrais da Universidade Brown.

Por enquanto, "para realmente entender o que acontece no cérebro, é preciso implantar cirurgicamente uma série de sensores nele", afirmou ele. Em outras palavras, para ganhar acesso ao cérebro, você precisa colocar um chip na cabeça.

No ano passado, um projeto chamado BrainGate, idealizado por Donoghue, permitiu a duas pessoas com paralisia total usar um braço robótico com um computador que respondia a suas atividades cerebrais. Uma mulher que não usava o braço há 15 anos conseguir agarrar uma garrafa de café, servir-se e levar a garrafa de volta à mesa. Tudo foi feito imaginando os movimentos do braço robótico.

Mas aquele chip na cabeça pode em breve desaparecer. Os cientistas dizem que estamos prontos para adquirir uma compreensão muito maior do cérebro e, em troca, tecnologias que fortalecem interfaces cérebro-computador.

INCENTIVOS

Uma iniciativa da administração Obama lançada neste ano, chamada "Projeto de Mapeamento Cerebral", visa a construir um mapa compreensivo do cérebro em dez anos.

A bióloga molecular Miyoung Chun, vice-presidente dos programas científicos da Fundação Kavli, está trabalhando no projeto. Embora diga o mapeamento do cérebro todo deva levar uma década para ser concluído, ela afirma que as empresas poderão desenvolver novos tipos de produtos com interface cérebro-computador em dois anos.

"O Projeto de Mapeamento Cerebral fornecerá às empresas de hardware várias novas ferramentas que mudarão a maneira como usamos tablets e smartphones", disse Chun. "Vai revolucionar de implantes robóticos e próteses neurais a controles remotos - que podem se tornar coisa do passado logo, logo, quando você poderá mudar de canal apenas pensando nisso."

A interface cérebro-computador levanta alguns medos. No site do Muse, um fórum de perguntas e respostas mais frequentes é dedicado a convencer consumidores de que o dispositivo não pode extrair pensamentos da mente das pessoas.

DESAFIOS

As tecnologias de leitura cerebral têm marcado presença na ficção científica há décadas.

No filme "Firefox" (1982), Clint Eastwood faz o papel de um piloto de caça numa missão à União Sovética para roubar um protótipo de jato capaz de ser controlado com a mente. Mas Eastwood tem de pensar em russo para o avião funcionar --e ele quase morre quando não consegue atirar os mísseis num confronto. (Não se preocupe, ele sobrevive.)

Embora esteja distante o tempo em que controlaremos aviões com pensamentos, navegar na internet em nossos smartphones com o poder da mente pode fazer parte de nosso cotidiano em breve.

Donoghue diz que uma das técnicas recentes para ler o cérebro das pessoas é a P300, na qual um computador pode descobrir em qual letra do alfabeto alguém está pensando com base na área do cérebro ativada quando ela vê uma tela cheia de letras.

Mas, mesmo que os avanços na área acelerem, haverá novos desafios: cientistas terão de determinar se a pessoa quer mesmo pesquisar algo particular na internet ou se ela está apenas pensando num tema aleatório.

"Só porque penso num bife no ponto num restaurante não quer dizer que o quero para o jantar", disse Donoghue. "Assim como os óculos do Google (que terão de saber se você está piscando porque há algo no seu olho ou porque você quer realmente tirar uma foto)", as interfaces cérebro-computador precisarão saber se você está só pensando no bife ou querendo pedi-lo ao garçom.

Tradução de ANDERSON N. LEONARDO


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