Folha de S. Paulo


Marco Nanini fala sobre carreira e relações conturbadas com atores

Carlos Sachs
Marco Nanini
Marco Nanini

Este texto foi originalmente publicado na Serafina em março de 2011

Todos os dias, Marco Nanini faz "aeróbica, alongamento e musculação". Desde que estreou no teatro, nos anos 1960, alterna trabalhos no palco com outros na TV e no cinema. Mais recentemente, passou a atuar como produtor de suas peças e filmes. Investe em imóveis e tende a manter relacionamentos profissionais duradouros. Fernando Libonati, o Nando, seu sócio na produtora Pequena Central, trabalha com o ator há 25 anos.

"Mas o recorde é a dona Osvaldina, que um dia fez um almoço para ele, nos anos 1970, e nunca mais foi embora", conta ele, que também é vizinho de Nanini.

Os dois têm também uma sala de ensaio no morro da Providência, na zona portuária do Rio, chamada Galpão Gamboa, que abriga dois projetos sociais. Um professor dá aulas de muai thai e kickbox de graça para a comunidade. E uma costureira instalou lá sua oficina.

Nanini banca tudo do próprio bolso. "Ele é muito empreendedor, tem cabeça de empresário", diz o sócio.

O negócio é que, mesmo falando de trabalho, de ginástica ou do que quer que seja, ele é muito engraçado. E sem fazer piada. Nanini é peculiar, usa os vários registros da voz em suas histórias: do mais grave, que adota em papéis sérios, ao mais agudo, que empresta às personagens femininas.

O encontro acontece na produtora, no bairro carioca de Botafogo. Atravessamos a rua e nos sentamos na sala de um dos três apartamentos que ele mantém na Casa de Hóspedes, um imóvel que comprou como investimento e decidiu transformar em um lugar para receber artistas que não têm onde ficar no Rio. "(O diretor) Felipe Hirsch fica sempre aqui".

Na travessia, ele, gentil, me dá a dianteira e vem atrás, indicando o caminho. Instruções básicas do tipo "Agora a gente vai aquiiiii, atravessa aliiiiii e pronto". A voz é a de Lady Enid, de "Irma Vap", se ela falasse bem baixo. Seguro o riso sabendo que, se caísse na gargalhada, ele riria também.

Durante a entrevista, noto que fuma muitos cigarros. Adquiriu o hábito aos 36 anos, quando interpretou um fumante. Um dia decidiu parar. Comprou adesivos de nicotina e jogou fora o último maço de Parliament. "Aí, um dia, acordei às 5h30 da manhã e às 7h já tinha interpretado um bebê de fralda, um porteiro negro e um caipira que segurava uma galinha. Quando me vi de Carmem Miranda, tentando aprender os trejeitos, achei que tinha pretexto para pedir um cigarro."

DUAS GRANDES FAMÍLIAS

A temporada de "Pterodátilos", dirigida por Hirsch, no Rio, rendeu ótimas críticas, muito público e três indicações ao Prêmio Shell, para Nanini como melhor ator, outro para Mariana Lima como melhor atriz e o terceiro para Daniela Thomas pela cenografia. A peça estreia em São Paulo, dia 18 de março, no teatro FAAP.

Escrita pelo dramaturgo norte-americano Nicky Silver, se passa nos anos 1980 e conta a história de uma família formada por pai decadente, mãe alcoólatra, filha sonhadora e filho HIV positivo. Os quatro se desconstroem durante a peça, ao mesmo tempo em que o piso da sala da casa é arrancado por causa da ossada de um pterodátilo (espécie de dinossauro voador que existia cerca de 150 mil anos atrás) encontrada enterrada lá embaixo.

Nanini vive Artur, o pai, e Ema, a filha adolescente maluquete. Um é o oposto do outro, não apenas por idade e gênero. Ema vive a fantasia de um grande amor enquanto Artur se desilude com a loucura cada vez mais exacerbada de sua mulher e seus filhos.

"Preciso me concentrar muito no Artur para não ser sugado pela Ema". Nanini arranca risos e sustos quando entra em cena com saia curta e botinha com meia calça de lã. "A ideia é essa, mas depois o espectador tem que embarcar na história e esquecer que sou eu ali".

O outro personagem que toma seu tempo é o Lineu, pai do seriado "A Grande Família", que acaba de completar 11 anos na TV Globo. "O Lineu é um personagem que não me pede nada, ele não aborrece. Temos uma convivência de amigo", conta o ator, que pinta o cabelo de castanho quando grava para não ficar identificado com o personagem na vida real.

"Eu não sou o Lineu, mas temos coisas em comum", me diz. "Algumas vezes me sinto bem mais 'Irma Vap'", ri, mencionando seu trabalho mais premiado. A peça "O Mistério de Irma Vap" está no Livro dos Recordes como o espetáculo teatral que ficou mais tempo em cartaz com o mesmo elenco. Foram 11 anos, entre 1986 e 1997, com Nanini e Ney Latorraca. Os dois foram dirigidos por Marília Pêra, uma das primeiras relações profissionais duradouras da carreira de Nanini.

"Foi como um casamento, como um grande amor, teve uma longa duração e foi muito intenso, mas acabou", diz ele, que se desentendeu com a atriz e diretora em algum momento durante a temporada de 'Irma Vap' e nunca mais falou com ela nem sobre ela, pelo menos não publicamente. "Aconteceu o contrário comigo e com a Marieta Severo, a gente teve uma boa relação no começo da carreira, depois se afastou, agora nos damos maravilhosamente bem em 'A Grande Família'".

AMOR & CIA

O assunto amor e companheirismo aparece muito nas conversas a respeito de seus colegas de trabalho. A vida íntima, no entanto, ele prefere que seja mantida fora do alcance, apesar de acreditar que "todo mundo sabe" qual é sua orientação sexual. "Não gosto de falar e não gosto de saber. Um ator se faz conhecer pelo trabalho. Não gosto de fofoca", afirma, categórico.

Nanini é o único filho de um segundo casamento tanto do pai, o filho de italianos Dante Nanini, quanto da mãe, a recifense Maria Esmeralcy de Moraes Guerra. Nasceu em 1948 em Recife, cidade da qual não se lembra. "Meu pai trabalhava como gerente de hotéis e a gente mudava muito. Minhas primeiras lembranças são de Manaus, mas antes passamos por Cipó, na Bahia, depois por Belo Horizonte e pelo Rio". Os três moravam nos hotéis que o pai gerenciava, por isso os imóveis do ator ficam sempre com jeito clean, confortável e com serviço impecável.

Na Casa de Hóspedes, onde acontece a entrevista, uma empregada uniformizada e gentilíssima serve café na bandeja de prata, depois variados "petit fours", água, refrigerante. "Gosto muito de 'room service', fui acostumado desde pequeno com vida de filho único com mordomia de hotel". E só na voz do Nanini essa frase não soa petulante nem saída de um quadro do TV Pirata (1988-1990), humorístico da TV Globo de que ele participou no primeiro ano. É simplesmente uma constatação, um detalhe sobre sua vida.

Em São Paulo, durante a temporada da peça, fica em um apartamento nos Jardins que comprou na época do sucesso de "Irma Vap". "Gosto de imóveis porque posso ver, tocar. Tentei investir na bolsa de valores e perdi tudo", conta ele, que tirou férias entre o fim da temporada carioca e início da de São Paulo na casa recém-construída em um sítio em Friburgo, zona serrana do Rio, "que não foi atingido pelas chuvas do começo do ano".

Lá ele aproveita para desligar de tudo, mas não de todos. Seu sócio e empresário cuida da casa dele no Rio, dos cuidados com ele no sítio e dos detalhes relacionados à carreira, onde quer que seja. Ah, e do sítio. "Comprei o sítio há quatro anos, mas só construí a casa neste ano", conta. Foi o tempo que demorou para convencer o Nando de fazer tudo, enquanto ele se concentra nos seus personagens. "Mas não conta isso para ele", pede no final da conversa. Acho que ele sabe. E que entende que, enquanto o Nanini estiver inspirado, tudo vale imensamente a pena.

NANINI POR LATORRACA

Assim falou o amigo e parceiro de "irma vap":

"Conheci o Nanini nos anos 70, vendo as peças que ele fazia. Somos da mesma geração de sessentões, junto com Tony Ramos e Antônio Fagundes"

"Nossa amizade é muito forte, muito respeitosa. A gente brigou muito, mas sempre por questões estéticas, nunca por dinheiro"

"A vida não é um monólogo. E um diálogo só é interessante se os dois forem interessantes. Por isso dá tão certo nós dois juntos, um faz o outro ficar melhor"

"Ator você conhece de verdade trabalhando junto. No palco você só admira"

"O rompimento dele com a Marília foi por motivos artísticos. Somos obcecados por teatro, só falamos disso"

"Durante o intervalo de Irma Vap eu e o Nanini fazíamos reunião para discutir o primeiro ato. Era sério"

"O Nanini cria personagens. Eu coloco o meu jeito nos personagens. São dois estilos válidos. Às vezes meu temperamento fica mais forte que o personagem, o Nanini nunca faz isso, ele cria outras personalidades"

"Marília Pêra viu Irma Vap em Nova York, sentada ao lado de Gerald Thomas. Aí decidiu montar com o Jô Soares e o Chico Anísio. Só depois pensou na gente"


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