Folha de S. Paulo


Com turismo crescente, Milão quer se firmar como um polo de cultura

Marco Dapino
Um dos navigli, canais artificiais criado para transporte de mercadorias
Um dos navigli, canais artificiais criado para transporte de mercadorias

Por simplista que possa soar a comparação, ela é eficaz para a compreensão imediata.

Quando um turista estrangeiro pensa no Brasil, ele pensa no Rio quase de imediato. Quando um turista estrangeiro pensa na Itália, ele pensa em Roma, Veneza, Florença. Ele não pensa em Milão.

No entanto, a cosmopolita e elegante Milão tem obtido excelentes resultados nas suas tentativas de se inserir no circuito de turismo de lazer, além do já consolidado turismo de negócios, que é sua vocação natural, sendo o principal centro industrial e econômico da Itália.

Milão está se transformando num novo polo de cultura, que atrai outro tipo de turista. Os números de visitantes vêm crescendo desde 2015, quando a cidade foi sede de uma Exposição Universal, feiras que, desde o século 19, movimentam o turismo nos centros urbanos que as acolhem.

Milão aproveitou o embalo e somou às tradicionais semanas de moda e design outras semanas temáticas - fotografia, arquitetura, gastronomia, de livros.

Em 2017, Milão comemorou incrementos no número de turistas, inclusive de lazer. Janeiro, mês pouco atraente por ser inverno e vir logo após o recesso de festas, e agosto - considerado o deserto das cidades, quando os italianos migram em peso para as praias - bateram recordes. Viram o número de visitantes aumentar em mais de 19%, no primeiro caso, e 14%, no segundo, com relação a 2016. A ocupação hoteleira subiu 9% de um ano ao outro.

Mais recentemente, em janeiro deste ano, Milão comemorou outro feito: ficou em 14º lugar, com 8,4 milhões de visitantes em 2017, no Global Destination Cities Index, ranking das cidades mais visitadas no mundo organizado pela Mastercard. Como se não bastasse, superou Roma na enquete, divulgada no Fórum Econômico Mundial de Davos - a capital italiana ficou em 17º.

Pequena metrópole

Embora seja uma cidade antiga - nela se encontram vestígios de civilização do início do século 4º a.C. -, não se caminha pelas ruas topando com ruínas majestosas.

O que sobressai do traçado urbano é a imagem da cidade moderna, pois seu centro histórico foi todo refeito entre o fim do século 19 e o entreguerras. As ruas modernizadas, porém, guardam gemas de diferentes épocas.

A estrutura de metal e vidro da Galeria Vittorio Emanuelle, predecessora dos shopping centers que data de 1865, domina uma das laterais da piazza del Duomo - mas nela, o nome diz, a atração principal é a catedral, ou Duomo, cuja construção se prolongou desde 1386 até o século 20, coroada por pináculos neogóticos.

Perto dali, a piazza Mercanti dá testemunho do fim da era medieval e, noutra direção, a bela igreja renascentista de Santa Maria presso San Satiro comove pelo engenho de seu criador, o mestre renascentista Donato Bramante (1444-1514).

Glamour

O encanto de Milão, porém, não está em suas atrações isoladas.

Ele vem de seu ar de metrópole, embora a escala numérica a deixe bem longe dessa categoria - a cidade em si tem cerca de 1,3 milhão de habitantes, 4,3 milhões se considerada toda a região urbana.
Na rua Montenapoleone e adjacências enfileiram-se todas as grifes que fazem o furor das passarelas - como Dior, Gucci, Valentino, Prada e Burberry.

Vale dizer que o glamour contamina os lojistas de modo geral, e mesmo uma pequena boutique de bairro pode trazer etiquetas astronômicas, nesta que é uma das capitais da moda mundial.

Museus não faltam. A região central está cheia deles, que expõem a arte italiana de todos os tempos, como a bela Pinacoteca di Brera; em regiões mais afastadas, centros culturais ligados à história industrial da cidade a inserem no cenário contemporâneo, como é o caso da Fondazione Prada e do Pirelli Hangar Bicocca.

Pensar na quantidade de atrações dá até vertigem - não vai ser possível dar conta de todas as boas exposições em cartaz na cidade em qualquer época do ano. Para que se tenha uma ideia, só no
Palazzo Reale havia, em janeiro último, ao mesmo tempo, uma exposição de Caravaggio e uma de Toulouse-Lautrec.

Se ficou tonto antes de começar, permita-se passear a esmo - este é sempre um bom conselho.

Em Milão, isso vai permitir, por exemplo, que você, indo do belo bairro de Brera até a região do Duomo, se depare com antiquários charmosos, ateliês de bijuterias artesanais e até com a loja mais antiga da cidade, a Ditta Guenzati, tradicionalíssima no comércio de chapéus, cachecóis e outros acessórios e estabelecida na via Mercanti em 1768.

Cansou dos vários museus abrigados no monumental Castello Sforzesco? Dê um passeio no parco Sempione - e, caso se anime de novo, saiba que dentro dele há, além de lagos e pontes, um teatro e um aquário, esse um exemplar notável do estilo liberty, uma variante do art-nouveau.

Comer e beber

Às vezes, distraído, o turista se esquece de comer. Isso, na Itália, pode ser um problema, caso o que se busque seja uma refeição no sentido estrito do termo.

Fora de locais eminentemente turísticos, como o entorno do Duomo ou a via dei Fiori Chiari - que é cheia de cantinas com serviço ininterrupto para viajantes que se esquecem da hora dentro da vizinha Pinacoteca di Brera -, quase sempre é preciso reservar para comer em um restaurante, sobretudo no jantar.

Mas dá-se um jeito: compra-se, num café, um "panino" ou uma "piadina" - nomes locais para sanduíches - ou ainda uma pizza (não as redondas, como as nossas, mas as altas e retangulares, típica comida de rua italiana).

Ao cair da tarde, no happy hour, é tradicional em boa parte dos bares o "aperitivo", no qual as bebidas vêm acompanhadas de uma sequência de tira-gostos que pode enganar bem o estômago até que se consiga uma mesa para uma vera e própria refeição.

A região dos Navigli, canais artificiais criados em 1179 para o transporte de mercadorias, dos quais sobram dois, o Grande e o Pavese (os demais foram aterrados com o crescimento da cidade), é rica em bares e restaurantes, fornecendo um cenário romântico para caminhadas noturnas antes de voltar para o hotel.


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