Folha de S. Paulo


Diretor de "Gabriel e a Montanha" revela segredos de gravação na África

Nicolau Saldanha
O diretor carioca Fellipe Barbosa durante as filmagens de
O diretor carioca Fellipe Barbosa durante as filmagens de "Gabriel e a Montanha", na África.

Ganhador de dois prêmios no Festival de Cannes, o filme "Gabriel e a Montanha" estreia na próxima quinta-feira (2).

O longa é inspirado na história de Gabriel Buchmann, economista carioca que morreu durante uma viagem à África ao tentar subir o Monte Mulanje, no Malawi.

Filmado nos lugares exatos onde Gabriel foi e com as pessoas reais com as quais conviveu, o diretor, Fellipe Barbosa, 37, conta em entrevista à Serafina como foram as gravações em locais tão inacessíveis quanto o monte Kilimanjaro - ponto de maior altitude do continente -, e como encontrou personagens dessa história a partir de fotos presentes na câmera achada junto ao corpo de Gabriel.

Como surgiu a ideia do filme?
Eu e o Gabriel nos conhecíamos desde a infância, somos amigos de colégio. Aos 19 anos eu viajei pra estudar cinema e voltei em 2008, que foi quando ele partiu pra viajar. Em 2007 eu tinha ido pra Uganda, no leste africano, pra dar um curso de montagem. Fiquei apaixonado pelo lugar, pelo povo. Lembro de ter adiado a minha passagem várias vezes. Quando eu vi que o Gabriel tinha mandado um e-mail justamente de Uganda, muito divulgado pela mídia na época, fiquei muito tocado porque acho que reconheci ali essa vontade de ficar, talvez pra sempre. Também me identifiquei com esse sentimento, me reconheci nele e a partir dali achei que tinha o direito de tentar contar essa história. Quando ele desapareceu, muitos amigos acharam que ele tinha sido assassinado. Eu, conhecendo o lugar, não teria imaginado isso. Vi no filme uma oportunidade de fazer uma cartografia humana mostrando que o povo de lá é bom, hospitaleiro e caloroso, mostrando uma nova face dessa região que não fosse estereotipada pela violência ou pelo exotismo.

Como você montou o roteiro?
Foi muito a partir dos personagens africanos reais que conheceram o Gabriel que eu finalmente escrevi o roteiro filmado. Eu reescrevi muito de acordo com o que eu ia descobrindo, com o que eles iam me contando. Fiz duas pesquisas de campo, uma em 2011 e uma em 2015, e fiquei muito obcecado em achar as pessoas que o Gabriel relatou nos e-mails. Quando consegui, percebi que eles tinham que atuar.

Como você os encontrou?
A partir das fotos, porque a câmera foi encontrada com ele - é a própria câmera que a gente usa no filme, inclusive. Ele descrevia muito os encontros nos e-mails também. E tinha a Chris [ex-namorada de Gabriel], claro, testemunha de grande parte que me deu boas dicas. No caderno do Gabriel tinha alguns telefones e e-mails, mas quase sempre não estavam funcionando. Era um trabalho de detetive. No Kilimanjaro, por exemplo, eu fiquei na boca da montanha com as fotos até reconhecerem e acharem o guia dele. O Tony Montana, que aparece no começo do filme contando que tem malária, eu não tinha encontrado, só sabia que ele era mendigo em Zanzibar. Quando já estávamos lá gravando as cenas no hotel que o Gabriel e a Chris ficaram, ela ficou doente e tivemos que interromper as gravações. Fui pro hotel da equipe pensando no que fazer no dia seguinte e aí apareceu um cara chorando, dizendo que estava sem dinheiro pra comprar remédio e que era nigeriano. Eu perguntei "por acaso você conheceu o Gabriel Buchmann?" e ele disse "claro, meu amigo brasileiro". Contei que ele havia morrido e ele começou a chorar. Ainda desconfiado, peguei as fotos do Gabriel e vi que era aquele homem mesmo. Foi milagre, né? Muitos encontros realmente mágicos foram assim.

E como foi o acesso da equipe aos lugares?
Nós éramos no máximo 18 pessoas contando com os atores, todos cabíamos num caminhão. Ele servia para fazermos a jornada, mas na montanha não tinha como. Nem em Zanzibar, que tínhamos que pegar um barco, já que é uma ilha. Nas montanhas tínhamos muitos carregadores, empregamos muita gente local pra carregar comida, barraca, equipamento. Foi complicado mas deu super certo. No Mulanje foi lindo porque é muito raro você unir as tribos das entradas da montanha. Ela tem 90km de circunferência na base, então tem muitos vilarejos e tribos rivais. Nessa ocasião tinha gente de todas as portas do parque, de todos os cantos da montanha, e todos em harmonia, numa certa celebração.

Quais momentos da filmagem mais te marcaram?
No Kilimanjaro foi muito difícil porque a altitude é muito grande, é o ponto mais alto da África, e tínhamos uma equipe que não era de montanhista. Era um grupo de cineastas com o fotógrafo asmático. Além disso tínhamos que ficar quase 1h lá em cima pra filmar, sendo que não se pode ficar mais de 15 minutos na altitude, mas deu tudo certo. Foi bem emocionante. Tiveram outras coisas como o caminhão atolar bem no começo das filmagens, mas a história mais incrível é a da luva do Gabriel. A filmagem foi muito impregnada por essa sensação de presença dele, como se ele estivesse nos guiando e isso fosse um trabalho espiritual.

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