Folha de S. Paulo


Jeans, que gera R$ 8 bilhões por ano ao Brasil, investe em sustentabilidade

Os Estados Unidos podem ter inventado as calças mais icônicas do mundo, mas ninguém tira do Brasil o título de potência mundial do jeans. Jeans não, índigo, nome industrial da trama de algodão tecida transversalmente e tingida com banhos de azul profundo. A cor está impregnada nos R$ 8 bilhões gerados anualmente com a venda da matéria-prima no país.

O "denim" é uma trama de superlativos, foi o motor da produção nacional de têxteis e abastece prateleiras mundo afora, da grife espanhola Zara à americana Levi's.

"Antigamente, existia um mito de que o jeans nacional era inferior ao importado. Mas nossa tecnologia fez com que conseguíssemos um jeans de excelente qualidade", diz Nelson Alvarenga, presidente do grupo Inbrands e fundador da Ellus, etiqueta símbolo do jeanswear "premium" nacional.

Ele é um dos compradores da matéria prima brasileira produzida, em sua maioria, por quatro grandes empresas. Santista, Cedro, Canatiba e Vicunha dominam o segmento, sendo a última a maior delas, com 20 milhões de metros tecidos mensalmente, confeccionados com quase R$ 30 milhões gastos no mesmo espaço de tempo só na compra de algodão.

Assim como o petróleo é chamado de ouro negro, o índigo é o ouro azul que transformou a pequena Maracanaú, no interior do Ceará, em local de trabalho para mais de 5.000 pessoas.

No imenso complexo construído em um terreno de 373 mil m², o aposentado José Alves Rocha, 71, ainda trabalha, e vai "enquanto o corpo permitir", para garantir a qualidade do índigo. Em meio a dezenas de máquinas dispostas em um dos galpões gigantes da fábrica, ele olha com cuidado o tecido à procura de falhas.

Após 43 anos e 35 dias de ofício, hoje ele consegue entender a amplitude da sua função. "A parte da mais bonita do trabalho é olhar qualquer pessoa na rua e imaginar que eu provavelmente ajudei a fazer as calças delas."

Não é exagero. Além de todas as varejistas brasileiras, o índigo no qual ele pôs a mão recebe etiquetas de renome, como Diesel e Calvin Klein. O presidente da Calvin Klein Jeans no Brasil, Fábio Vasconcellos, explica que o país se posicionou no mercado pela habilidade em experimentar novas fibras, a exemplo do elastano, cuja elasticidade ainda é padrão na indústria da moda. "O Brasil sempre esteve na vanguarda do índigo. Pessoalmente, não acredito que haja um país que conheça melhor os padrões do corpo e as possibilidades da mistura dos fios", diz.

11 MIL LITROS POR CALÇA

É longo o percurso que leva o tecido de índigo até as máquinas de costura. O algodão é selecionado e revisado de acordo com a origem, cor e luz que irradia para poder virar um fio uniforme. Esse é o trabalho de Raimundo Donato, 53, que sob a luz negra de uma sala com várias amostras dispostas em cima de uma mesa, separa as peças.

"É essa luz que determina com detalhes a tonalidade do algodão e como ele vai brilhar quando estiver tecido", explica o especialista.

O algodão vira o fio bruto, que é misturado a fibras de poliéster ou passa direto ao tingimento para, depois, ocupar as bobinas dos teares da tecelagem. O cheiro de enxofre toma toda a área destinada à tinturaria em série. Diversos mergulhos em químicos são necessários para que a coloração pegue na trama, oxide e, depois, firme o tom desejado. Os dejetos são tratados na própria fábrica para serem despejados em um estado neutro, que não agrida nem o solo nem os mananciais.

É o fator poluente da produção do jeans que o transforma em vilão da indústria da moda. Mas iniciativas em prol da sustentabilidade também colocam a trama azul como uma novidade verde. Além do sistema de reciclagem das sobras de fio no tingimento e o uso de biomassa da própria produção para abastecer a caldeira geradora de vapor para as máquinas, o Brasil é um dos pioneiros no mundo em reciclagem da água na fabricação do jeans. Estima-se que, para um par de calça, são usados 11 mil litros de água, desde o plantio do algodão até sua lavagem final.

Na Damyller, marca de índigo de Santa Catarina, quase toda a água usada na confecção dos tecidos é reciclada e volta para a produção. A economia chega a mais de 3 milhões de litros por mês. "Infelizmente, na fabricação de jeans ainda não existe impacto zero no meio ambiente", explica Damylla Damiani, porta-voz da marca.

Zero pode não ser uma meta no horizonte, mas, segundo Ricardo Steinbruch, presidente da Vicunha Têxtil, ações urgentes já estão sendo tomadas para chegar perto. A seca no Nordeste, onde parte dos seus parques fabris estão instalados, ameaça as fábricas. No dia da visita da reportagem ao parque industrial, o executivo, governo e lideranças empresariais firmaram acordo para criar um sistema de reúso para toda a cadeia produtiva da região. A ideia é colocar o projeto em prática já em 2018.

"Não há saída para a indústria se não olharmos a questão da sustentabilidade", diz Steinbruch, dono de uma das maiores fortunas do país. Ele admite que, nas conversas dos maiores empresários da moda mundial, o grande entrave para a abertura do pensamento sustentável ainda é o valor mais alto dessa produção em larga escala.

"Todos acham legal o nosso algodão ter certificação e não usarmos trabalho infantil na produção do jeans. Mas, na hora de fechar negócio, o que as empresas procuram é preço."


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