Folha de S. Paulo


Vanessa Barbara estreia coluna defendendo que ser errada é moda

Cratera Estúdio
Ilustração publicada na coluna de Vanessa Barbara, revista Serafina de março de 2017

Eu roubo pedaços de bolo que as pessoas deixam na mesa, depois que elas vão embora e antes que os garçons venham recolher os pratos. Eu empurro a comida com a faca e arremesso sem querer tomatinhos desgovernados no comensal ao lado.

Uma vez eu estava com fome no aeroporto de Estocolmo e só tinha dinheiro para comprar um salgado; complementei a refeição tomando o smoothie de uma moça desconhecida que talvez só tivesse feito uma pausa para ir ao banheiro.

Ouvi dizer que está na moda ser meio torto, uma pessoa pouco ou nada elegante que se destaca pela capacidade sobre-humana de passar vexame.

Sou internacionalmente reconhecida como aquela que acionou o alarme de emergência em um sofisticado hotel londrino porque achou que fosse a cordinha da descarga. Funcionários quase arrombaram a porta para me resgatar do que quer que sejam as emergências dos superricos: um ataque de nojo ao perceber que tem um cabelo na pia? Descobrir de repente que a sola do seu Louboutin é lilás? Até hoje eu hesito antes de dar a descarga em banheiros de estabelecimentos de estirpe.

Anotem aí: agora também é chique pegar coisas do lixo – está de testemunha aqui ao meu lado um organizador vertical de papéis em acrílico de alta qualidade, encontrado numa caçamba no Mandaqui – e posso ou não estar exagerando ao afirmar que a minha mãe uma vez experimentou um par de sandálias que estava largado na esquina. (Não era do tamanho certo.) Também já levei para casa uma maca de resgate do Corpo de Bombeiros. Não perguntem.

Outra grande tendência para 2017 é desequilibrar-se em situações variadas, com destaque para perder o aprumo no ônibus e cair no colo de um estranho. A falta absoluta de um senso de localização é essencial para indivíduos que queiram brilhar nessa área; convém um dia fazer como esta colunista e se perder dentro da estação Paraíso do metrô, tentando encontrar a saída que dá para o outro lado da rua e caindo sempre no mesmo lugar. Várias vezes. Várias. Mesmo.

E sempre fazer questão de alardear seus feitos para amigos e parentes, gabando-se de suas habilidades invejáveis de não conseguir se ajustar ao mundo das pessoas dignas.
Eu particularmente já apoiei um copo de bebida numa obra de arte, pensando que era só um móvel rebuscado, e perguntei a um intelectual que trabalhava no IMS (Instituto Moreira Salles) como estava a rotina no IML (Instituto Médico-Legal). A resposta foi: "De fato as coisas lá estão meio mortas". Já confundi Chico Mendes com Chico Xavier e RuPaul com Ron Paul, e fui flagrada afirmando que cobras eram anfíbios.

É disso que estou falando: alto nível.

Porque o segredo é manter a pose e fingir que foi calculado, como naqueles momentos em que você tenta abrir a janela do ônibus, não consegue e finge que estava só se espreguiçando. Ou quando você está de pé e o motorista freia, aí você sai tropeçando e lacrando muito pelo corredor como se estivesse apresentando um número de sapateado.

Conselho de profissional: tudo fica requintado se você faz jazz hands no final.


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