Folha de S. Paulo


'Sou um galã cômico', diz Brichta, que fará papel de palhaço em longa

Daryan Dornelles/Folhapress
Ator Vladimir Brichta, em ensaio para a revista Serafina 103, de novembro de 2016
Ator Vladimir Brichta, em ensaio para a revista Serafina 103, de novembro de 2016

Vladimir Brichta, 40, percorreu um longo caminho até voltar às novelas. Em uma década longe dos folhetins, foram cinco séries de TV, dez filmes e seis anos de análise. Agora, reencontra o formato que o alçou à fama na pele do temperamental músico Gui Santiago, protagonista de "Rock Story", prevista para estrear em 9 de novembro na Rede Globo, na faixa das 19h. Nela, canta (ao vivo, de verdade) e toca guitarra (na vida real, só arranha).

Nas cenas, ele usa roupas pretas, mesma cor da camiseta que veste no dia da entrevista. Faz 33°C no Rio, e o ator, de cabelos amarrados, comenta: "Podíamos ter marcado na praia, hein?". Estamos em um shopping em São Conrado. Ele fala manhã adentro sobre música, reflete sobre a infância e lembra do momento em que descobriu ser um palhaço.

Às vezes, literalmente, como no filme "O Rei das Manhãs". O longa inspira-se na trajetória de Arlindo Barreto, intérprete do palhaço Bozo nos anos 1980, hoje pastor evangélico. Dirigido por Daniel Rezende, montador de "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite", o longa, previsto para 2017, faz Brichta embarcar em uma trama de cocaína, álcool, mulheres, crianças e conflitos da fama.

"Ele arrebenta", diz o diretor.

O ator, porém, nem era a primeira opção. A produção foi criada com o plano de ter seu amigo Wagner Moura como protagonista. O envolvimento do ator com a série "Narcos" abortou o plano. Receoso no início com o novo candidato, Daniel se surpreendeu.

"Poucas vezes trabalhei com alguém que tenha se entregado tanto a um projeto. Foi muito além do que eu poderia imaginar", afirma. Escalado, passou três meses em São Paulo, terra de seus pais.

Preparou-se com Fernando Sampaio, palhaço e cofundador da companhia teatral La Mínima, a mesma da qual Domingos Montagner fazia parte. Pintou a cara e atuou anônimo em um circo na Cidade Tiradentes, zona leste da cidade, e até contracenou com Arlindo Barreto em um encontro entre intérprete e personagem. A experiência frente ao respeitável público o marcou. "Tudo o que havia feito até então flertava com a ideia de palhaço, mas naquele dia eu me assumi como um."

Era esse, então, o papel que buscava? "Era. Há ali uma história que todo ator quer, o paradoxo de ser o palhaço mais famoso do Brasil e ninguém saber quem ele é", responde Brichta.

ROQUEIRO DECADENTE

Daryan Dornelles/Folhapress
Ator Vladimir Brichta, em ensaio para a revista Serafina 103, de novembro de 2016
Ator Vladimir Brichta, em ensaio para a revista Serafina 103, de novembro de 2016

Ele já fez muita graça na TV, como o peão Nélio ("Coração de Estudante") e o empresário Armane ("Tapas & Beijos"), indo também ao romance com o sonhador Ary ("Amor em 4 Atos") e ao drama no criminoso Celso ("Justiça").

Agora, no retorno a uma novela, faz um roqueiro de sucesso nos anos 1990, hoje decadente. Para o papel, buscou inspiração em Renato Russo, Cássia Eller e Paulo Miklos. "Ele é um fio desencapado, de coração grande e temperamento difícil", diz o ator.

Como em cena, transita entre o leve e o denso na conversa. Ora narra aos risos um caso de infância, ora usa Téspis, o primeiro ator da história, para dar um exemplo.

"Sou um galã cômico. Não persegui isso, mas acho legal", afirma ele, marido da atriz Adriana Esteves, 46, com quem tem um filho de 9 anos (também tem uma filha de 19 com a cantora Gena, morta em 1999).

Nascido em Diamantina (MG) e criado em Salvador (BA), ele recebia suspensões por encrencas na escola. "Era destemperado e não aguentava provocações." Uma delas lhe rendeu três pontos. "Um colega me deu uma gravata e me jogou com a testa na quina de uma carteira", relembra, com um sotaque baiano.

Em sua opinião, o teatro o salvou. "Seu valor na socialização é enorme. Sou prova disso. Por isso, ao contrário do governo, que quer extinguir a cultura nas escolas, acho que tem de se investir mais nela", afirma, fazendo menção à medida provisória de reforma do ensino médio.

Mas as artes dramáticas não lhe deram só certezas. Nasceu no palco, numa noite de 2002, uma crise.

No meio de uma sessão da peça "Mamãe Não Pode Saber", de João Falcão, notou que o público o havia reconhecido e ficou em dúvida.

Por se tornar famoso, tinha ficado com a impressão de que a plateia não acreditaria mais em seus personagens. Logo viria outra crise, quando era uma das estrelas de "Começar de Novo", em 2005. "Depois da quarta novela em quatro anos, meu trabalho na TV não me agradava mais. Cadê o ator que eu tinha orgulho de ser?".

Ainda fez "Belíssima" e, incomodado, decidiu se afastar. Negociou com a Globo a suspensão do contrato e partiu para a análise. Ao lembrar do período, faz um longo silêncio. Até se sair com um clássico de Raul Seixas.

"Foi [um momento] 'Ouro de Tolo' ('Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego / Sou o dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês'): 'E agora eu me pergunto: e daí?' Me sentia acomodado com tudo o que conquistei e fui à terapia. Perguntava se havia 'coisas grandes para conquistar'. Aí descobri que sou muito ambicioso."

O divã ajudou. Voltou ao teatro, em projetos como "Os Produtores" (2007), de Mel Brooks e logo já estava com a agenda cheia. Mas sem muxoxo. "Nunca gostei do discurso 'ah, artista trabalha muito'. Não. Todo mundo que tem ambições –sejam elas pagar as contas ou crescer na profissão– trabalha muito."


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