Folha de S. Paulo


Colunista narra como o verão da Europa rica mudou com refugiados

Caco Neves
Ilustração para a coluna Zooropa, de Henrique Goldman

Às vezes sinto um certo constrangimento ao contar para os amigos brasileiros que passo as férias de verão na Córsega, na Grécia ou na Croácia, pois bem sei que nosso complexo de inferioridade pode facilmente me levar a ser confundido com um idiota querendo ostentar.

Juro que não é assim. Em agosto, todos os anos, o continente europeu inteiro sai de férias ao mesmo tempo.

Enquanto Berlim, Paris e Milão viram quase cidades-fantasma, uma onda de farofa se alastra sobre a orla mediterrânea e grandes partes dela se transformam num grande Guarujá.

Aqui, porém, são quase sempre os mais ricos que invadem as praias dos mais pobres. O caso de amor dos alemães com o verão grego tem suas raízes nos anos 60, quando jovens da esquerda alemã começaram a vir para as praias e ilhas do mar Mediterrâneo com suas kombis, mochilas e sandálias Birkenstock vestidas com meias. Com o passar dos anos, essa imigração sazonal virou um fenômeno de massa. Hoje, quem passa as férias em Mikonos ou Creta sabe que muitos alemães têm o costume peculiar de levantar às seis da manhã para colocar suas toalhas na areia e garantir seu lugar ao sol antes que os outros cheguem, em praias mais lotadas do que Ipanema num domingo de Carnaval.

Os ingleses dão preferência à costa espanhola para tomar o sol que não veem o ano inteiro. As ruas e as areias de balneários como Benidorm e Málaga são invadidas por hordas que já desembarcam completamente bêbadas em voos que chegam direto de Manchester e Birmingham para pegar insolação já no primeiro dia ou entrar em coma alcoólico.

Os italianos se espalham um pouco menos pois têm dentro de casa a Sicília, a Sardenha e duas costas no Mediterrâneo. Aliás, nada mais irritante do que encontrar turistas romanos grifados no exterior. Onde quer que estejam, comparam sempre a comida e as atrações locais com a beleza e as delícias infinitas da Itália. Vaidosos e convencidos, se referem ao próprio pais como "il bel paese" (o país lindo). Lembram os cariocas e sua "cidade maravilhosa".

Mas na Europa os ventos estão mudando depressa. Uma imigração bem diferente vem chegando ao Mediterrâneo nos últimos anos. Há poucos quilômetros daqui da praia de Potistica, na Grécia, onde escrevo esta coluna, do outro lado das águas turquesas do mar Egeu, dezenas de milhares de refugiados, a maioria proveniente da Síria em guerra, definham em campos fétidos em ilhas que eram paradisíacas, como Lesbos, Kios e Samos. Muitos sem acesso a esgoto ou água corrente, todos mal nutridos e humilhados. Só neste ano, mais de 3.300 pessoas morreram em naufrágios nestas mesmas águas do veraneio europeu.

E, de repente, nada tem mais graça e o gosto de férias amarga na boca.

Brexit, conflito na Ucrânia, crise financeira e terrorismo. Em 2016, a Europa prepara as malas e começa a voltar para casa tomada por maus presságios.


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