Folha de S. Paulo


Para colunista, clima pesado do Brexit traz saudades até da Lava Jato

Caco Neves
Ilustração para a coluna Zooropa, de Henrique Goldman

Semana passada, antes do referendo que definiria a saída ou permanência do Reino Unido da União Europeia resolvi não cumprimentar mais o vizinho que colocou na janela da sua casa um adesivo vermelho com a escrita "Brexit - Vote Out!" –a conclamação a favor da saída.

"Brexit" é o neologismo que combina "Britain" e "exit", "Grã Bretanha" e "fora", trocadilho tão irritante para mim quanto "sapatênis" ou "namorido", que desgraçadamente pegaram no Brasil.

De volta ao vizinho. A coisa me ofende porque significa que, para ele como para outras dezenas de milhões de britânicos, estrangeiros como eu e minha família não deveriam ter o direito de viver aqui pois, antes de mais nada, o que esteve em jogo neste referendo é a imigração.

O mais estranho é que o babaca nem é inglês de verdade –é descendente de indianos. Lembrei de uma coisa que o sociólogo e ensaísta polonês Zygmunt Bauman disse num almoço em sua casa: "quando o ônibus começa a encher, os passageiros que já estão dentro sentem raiva dos que ainda querem subir".

A xenofobia europeia é um fenômeno antigo e muito bizarro. Cresce sempre em proporção inversa à presença de imigrantes. Na Inglaterra, quanto menos imigrantes moram numa cidade, mais propensa fica a maioria da população local a apoiar o racista Nigel Farage, líder do partido de ultra direita Ukip.

Na Polônia, o tema da imigração domina o debate em eleições nacionais apesar de 97% do país ser branco e católico e raríssimos refugiados quererem se asilar lá.
Tem Marine Le Pen soltando a franga na França, Norbert Hofer na Áustria, Nikolaos Michaloliakos na Grécia etc etc. E o que dizer de Trump e sua cruzada contra gays e mexicanos nos Estados Unidos? Nesta complicada encruzilhada da história da humanidade, cada país parece ter o seu Bolsonaro.

Nunca, nos 24 anos em que vivo aqui, vi um confronto político tão aberto e acirrado. De um lado, a Londres cosmopolita e liberal –onde 4 em cada 10 habitantes é estrangeiro– e os jovens, que tendem ser mais abertos às diversidades culturais. Do outro lado, o "country side" (interior) conservador e retrógrado e os mais velhos, nostálgicos dos tempos em que viviam no topo de um império que se estendia da Ásia às Américas.

A impressão é que o referendo foi mais sintoma do que causa desta cisão profunda e irreparável, eco de outras cisões semelhantes pelo mundo afora.

Segundo a ONU, 65 milhões de pessoas vivem hoje como refugiados, o maior número da história. Milhões destes refugiados estão dispostos a sacrificar suas vidas para viver na Europa. Só este ano quase 3.000 deles morreram afogados no Mediterrâneo tentando chegar à Europa. A tensão tende só a aumentar.

Começo a sentir saudade da Lava Jato e de debater o impeachment.


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