Folha de S. Paulo


Baladas, boxe e tatuagem: conheça o novo primeiro-ministro do Canadá

O Canadá costuma ser objeto da ironia de seus vizinhos do sul por ser, segundo os americanos, um país chato, em que nada de interessante ocorre.

Essa imagem deve mudar drasticamente com a chegada ao poder de Justin Trudeau, 43, empossado neste mês. Agora, junto com o papa Francisco e Barack Obama, deve formar o trio de líderes mais carismáticos do mundo.

Trudeau é bonito, charmoso, mede 1,88 m, pesa 81 kg; seus recursos retóricos vão da capacidade de soar como um amigo ou membro da família ao poder de incendiar espectadores com
argumentos inflamados.

Entre as atividades profissionais que desempenhou antes de se tornar político, muitas nunca apareceram e talvez jamais voltem a aparecer no currículo de um chefe de governo, como: segurança de boate, instrutor de snowboard, ator e professor de francês e inglês em escola pública.

O esporte de preferência do primeiro-ministro do Canadá não é o basquete de Obama, ou o golfe da maioria dos ex-presidentes americanos, e sim o boxe, que ele diz pretender continuar praticando regularmente.
Muito provavelmente, nenhum de seus colegas no comando de qualquer nação —nem mesmo Vladimir Putin— tem uma vistosa tatuagem como a dele no bíceps do braço esquerdo (um corvo da nação indígena canadense Haida, da qual o premiê e sua família são membros honorários).

Para completar a coleção de atrativos que o tornam irresistível para a mídia e para o público, é casado com Sophie Grégoire, 40, ex-modelo e famosa apresentadora de TV, e tem três filhos não menos encantadores: Xavier, 8, Ella-Grace Margaret, 6, e Hadrien, 1 ano e 9 meses.

Ao contrário da maioria dos políticos, a imensa habilidade de atrair para si a atenção positiva dos meios de comunicação e do público é algo inato em Justin Trudeau, que nasceu e cresceu uma celebridade.

Seu pai, Pierre, foi primeiro-ministro por 15 anos e o mais popular líder do país no século 20. Sua mãe, Margaret Sinclair, filha de um ministro de Estado canadense, recebeu atenção desmesurada da mídia desde o início de seu namoro com Pierre, quando ela tinha 18 anos e ele, 47, já premiê e tendo namorado estrelas como Barbra Streisand.

Pierre e Maggie eram um casal que fascinava o mundo. Ela era capaz de se levantar num jantar de Estado e cantar um sucesso pop, ou aparecer de minissaia curtíssima numa recepção na Casa Branca. Era frequentadora assídua do famoso Studio 54 e amiga íntima (alguns diziam que íntima demais) de Mick Jagger e de outros Stones, além de Andy Warhol.

Ele foi um político revolucionário, que concebeu e implantou o espírito do multiculturalismo tolerante e inclusivo que distingue favoravelmente o Canadá no mundo, e o qual seu filho pretende revigorar após os anos em que Stephen Harper, o conservador que derrotou nas eleições, tentou desestruturá-lo.

Justin nasceu no dia de Natal de 1971, em Ottawa. Cresceu sob os holofotes e a curiosidade geral. Apesar da fama e do poder do pai, ia a uma escola pública de ônibus escolar. É verdade que às vezes ele não conseguia almoçar com os colegas de classe porque tinha de estar com a rainha da Inglaterra na recepção que seus pais ofereciam a ela em casa.

Mas, depois que o pai deixou o poder, em 1984, Justin foi capaz de sumir dos olhos do público. Estudou literatura francesa na Universidade McGill, em Montreal, e depois se mudou para Vancouver, terra natal da mãe (com quem pouco vivera, pois Pierre obtivera a guarda dos filhos após sua separação, em 1977). Ali, exerceu discretamente suas várias profissões.

Voltou à fama em dois momentos trágicos: a morte do irmão Michel, aos 23 anos, em 1998, numa avalanche quando esquiava no Kokanee Glacier Park, na Colúmbia Britânica, e no enterro de seu pai, em 2000. No funeral de Pierre, Justin fez o elogio fúnebre. Seu discurso comoveu e impressionou o país.

Mas a decisão de entrar na política ainda levaria mais sete anos. Em 2007, elegeu-se para uma cadeira no parlamento por um distrito de Montreal que fazia anos não elegia um representante do seu partido, o Liberal.
Em 2013, elegeu-se líder da legenda, 45 anos depois de seu pai ter obtido a mesma posição. Com isso, tornou-se candidato natural ao posto de primeiro-ministro nas eleições de outubro de 2015.

Numa campanha eletrizante e que se tornou a mais longa da história do país, Trudeau saiu da rabeira nas pesquisas para a maior vitória em termos de conquista de cadeiras no parlamento: os liberais passaram de 36 representantes para 184 (num total de 338). Durante toda a campanha para primeiro-ministro, o político foi atacado com ironias à sua juventude e falta de experiência política e administrativa, em contraste aos muitos anos de parlamento e de governo do conservador Stephen Harper.

Ao assumir, acenou que vai cumprir o que prometeu e manter o estilo: chegou de ônibus com a família para a posse, escolheu um gabinete dividido meio a meio entre homens e mulheres e com ministros de diversas etnias, anunciou que o país vai receber 25 mil refugiados sírios até o final do ano, mandou projeto de lei para legalizar o consumo recreativo de maconha, acabou com a participação de militares canadenses em ações no Iraque a Afeganistão. E por aí irá.

Com Justin Trudeau, o Canadá poderá ser tudo, menos chato.


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