Folha de S. Paulo


De volta ao horário nobre da TV, Cauã Reymond se diz enjoado de si mesmo

O nome Cauã dispensa o sobrenome Reymond. A alcunha virou adjetivo, sinônimo de beleza, saúde, virilidade. Numa tarde de céu azul, com o mar emoldurando a cena, ele aguarda a Serafina em um condomínio na zona oeste carioca, onde mora desde a espetaculosa separação da atriz Grazi Massafera, em 2013. A certa altura do papo, Cauã solta: "Estou enjoado de mim mesmo".

"Sério, enjoei de ficar me vendo. Hoje em dia, faço o meu trabalho, me dedico, entrego o meu melhor e espero a reação do público. Se ele gosta, fico feliz."

Aos 35 anos, o pai de Sofia, 3, anda assim, cheio de questionamentos sobre a dor e a delícia de ser Cauã. Reflexivo, parece estar em busca de simplicidade, dos pequenos momentos. "Ontem, dei banho na minha filha e coloquei a roupinha. Ela virou-se para mim e disse: 'Quero perfume, papai'. A gente se entende muito bem."

Solteiro, Cauã mora em um apartamento sem extravagâncias. Ao voltar das gravações —são seis dias por semana de labuta—, abre um vinho, assiste a filmes ou ouve música. Gosta de folk e dos filmes de Terrence Malick (de "Além da Linha Vermelha" e "A Árvore da Vida").

Fora de casa, como um bom taurino, trabalha sem trégua. Atualmente, está com seis projetos em andamento, entre eles a próxima novela das nove, "A Regra do Jogo" (TV Globo), de João Emanuel Carneiro, que estreia nesta segunda (31).

É a quarta parceria da dupla. A primeira novela de João Emanuel, "Da Cor do Pecado", de 2004, foi também a primeira de Cauã. Os dois também estavam juntos no megassucesso "Avenida Brasil" (2012). Na nova trama, interpreta Juliano, um ex-lutador de MMA gente boa que vive um triângulo amoroso com os personagens de Alexandre Nero e Vanessa Giácomo. "Ele é de uma ONG que tira garotos do tráfico e leva para o tatame."

Cauã acabou de filmar, também na Globo, a minissérie "Dois Irmãos", de Luís Fernando Carvalho, adaptação da obra de Milton Hatoum, que só vai ao ar em 2017. "Esse é um papel que bati na porta para pedir. Desde 'Malhação', sonho trabalhar com o Luís Fernando."

O projeto mais ambicioso dele, porém, mira o cinema. Em parceria com seu empresário e assessor de imprensa, Mário Canivello, acaba de abrir em São Paulo uma produtora, a Sereno Filmes. Em fase de captação, o primeiro longa será "Pedro", sobre dom Pedro 1º, com direção de Laís Bodanzky.

"Queremos um outro olhar dele, que não seja caricato. Muito do Brasil é herança de dom Pedro. Ele foi atrás, na contramão, era ousado, visionário. Tinha o sonho de construir um país continental", afirma a diretora.

Também está em andamento na Sereno Filmes o longa "Azuis", adaptação do livro "Todos os Cachorros São Azuis", do jornalista, músico e escritor Rodrigo de Souza Leão (1965-2009). Esquizofrênico, Leão apresenta no livro, em narrativa fragmentada e visceral, a história do protagonista desde a internação em um hospício até a sua saída e a fundação de uma nova religião. "Desafio grande, eu sei, mas convivi com a esquizofrenia por toda a vida, tinha uma tia esquizofrênica", diz o galã.

LÁ DE CIMA

Apesar da aparência de quem nasceu aplaudindo o pôr do sol de Ipanema, Cauã nunca teve vida de garoto da zona sul. Nasceu na Gávea ("não na Gávea boa, na Gávea lá de cima, no pé da Rocinha"). Os pais se separaram quando ele tinha dois anos. Daí em diante, virou um nômade mirim, ora morando no Rio, com a mãe, ora em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, com o pai.

Até os 14 anos, não fazia ideia do que queria da vida. O jiu-jítsu apontou o norte: "Foi a primeira vez que fui bom em algo". Como campeão brasileiro, tornou-se garoto propaganda da marca jovem Company. Depois, fez a campanha da Zoomp, clicado por Mario Testino.

Aos 17, partiu para o circuito Paris-Milão-Nova York, onde experimentou -e não gostou- o glamour da moda. "Nunca fui disso. Eu me lembro, em Paris, do dia em que abri o desfile do Jean-Paul Gaultier. Estava provando roupa e ele, almoçando. Foi educado e me convidou para comer. Eu, modelo e morto de fome, falei: 'Claro'. Aquilo foi meu auge do glamour como modelo". Para fotos desta reportagem, a ator foi paciente ao posar sob o sol, na região do Alto da Boa Vista, no Rio.

Cauã afirma que, no passado, não tinha consciência de sua beleza nem de que fazia sucesso com as mulheres. "Perdi a virgindade aos 14, sempre fui de namorar. Mas eu era muito regrado por causa do jiu-jítsu. Tinha muita disciplina. Não transava três semanas antes de um campeonato."

A carreira de ator veio do acaso, mais por sobrevivência do que por vocação. Cauã estava em Nova York, fechando o ciclo como modelo, sem rumo. Um dia, falando com o pai ao telefone, ouviu a seguinte pergunta: "Você já pensou em ser ator?". Teve um clique. Indicado por uma amiga, procurou a professora Susan Batson, coach de atores como Nicole Kidman e Tom Cruise.

"Ela pirou em mim. Falou: 'Fique aqui, você nasceu para isso'. E eu disse: 'Mas eu não tenho dinheiro para comer!'." Susan insistiu e ajudou o moço, que ainda não sabia o que era atuar. Cauã só voltou para casa após o baque do 11 de Setembro de 2001: "Assisti ao segundo avião batendo na torre. Estava em downtown. Manhattan cheia de poeira, morta". De lá para cá, já se vão 14 anos, nove novelas, três minisséries, 12 filmes, mais de 60 campanhas publicitárias e cerca de 300 capas de revista.

O último filme que gravou foi "Curva de Rio Sujo", adaptação do livro de Joca Reiners Terron no qual Cauã também faz as vezes de produtor.

O sol já se punha no horizonte, tão extensa era a lista de projetos de Cauã. Difícil imaginar como ele consegue trabalhar tanto e conservar a cútis de menino do Rio. Ele se diz organizado, do tipo que consegue esticar o tempo. Para manter a forma, corre na areia fofa da praia, surfa, faz academia e está "viciado" em boxe.

É vaidoso, mais com a saúde do que com a aparência, garante. Ao acordar, come geleia real, própolis e mel. "Mas se tiver que comer pão com mortadela, como amarradão", pontua. O hábito que carrega da infância é o de tomar chá de carqueja, receita da mãe. "Minha maior vaidade é nunca ter dor de cabeça."

Sobre a dor e a delícia de ser Cauã, ele reflete: "Minha profissão potencializa coisas que não são legais: narcisismo, egocentrismo. Você é o centro do seu pensamento. Acho que vivi um arco, do nada narciso ao muito narciso. Aí, fui sacando que eu não estava feliz assim. A longo prazo, a profissão de ator pode se tornar uma armadilha que te leva para a infelicidade".

Para encerrar a tarde, Cauã se resumiu: touro, com ascendente em peixes, lua em leão. "Cara, não posso falar de signo, meu empresário sempre me diz: 'Não fale de signo'. Mas minha mãe é astróloga, não tem jeito", diz, abrindo um sorriso.

"Eu sei usar o meu leão, mas sou taurino. Tendência à melancolia. Na verdade, supermelancólico. Faço análise lacaniana há seis anos. Fama, dinheiro e sucesso são bons parceiros. Hoje, no entanto, penso que a caminhada é que é legal, não a chegada."


Endereço da página:

Links no texto: