Folha de S. Paulo


Rio e São Paulo promovem intercâmbio inédito no mundo fashion

Vestidos soltinhos, estampas coloridas, sandália rasteira, cabelos ao vento. A moda do Rio, assim como o carioca, é celebrizada por sua descontração. Muitos acham que esse visual é resultado do clima quente, da proximidade com a natureza e da íntima relação de seus habitantes com a praia, parte do cotidiano carioca.

São Paulo, por sua vez, talvez por ser o centro financeiro do país, é famosa pelo refinamento e formalidade do vestuário: saltos, tailleurzinho, terno e gravata, cortes e cabelos impecáveis. É comum ouvir que o Rio é a cidade de gente que se veste de qualquer jeito, enquanto São Paulo é lugar de gente arrumada demais.

A história talvez nos ajude a explicar como parte dessas imagens se forjou: o Rio foi "pego de surpresa". De colônia deixada de lado por séculos, em 1808, da noite para o dia a cidade virou capital do império português e sede de uma corte europeia. Já na sua chegada à cidade, a família real entendeu que o clima ali era outro.

Extremamente quente, banhado pelo mar e já intensamente influenciado por elementos das culturas indígena e africana, acostumadas à pouca roupa, exibição natural do corpo e frequente uso de adornos, o Rio não poderia pecar pelo excesso de roupas.

Bruno Santos

São Paulo não foi sede da corte e, mesmo recebendo a visita de nobres, teve mais tempo de "se arrumar". Distante do mar e com clima mais ameno, criou um estilo que combinava com a austeridade dos jesuítas e a riqueza dos barões do café. Clima, geografia e história sugeriram a cartela de cores e formas para a cidade: tecidos mais encorpados, cores discretas e alfaiataria são parte do que vemos nas ruas até hoje.

Mas esses padrões, estereótipos das duas cidades, estão mudando. O diálogo cada vez maior entre ambas, os consumidores e as marcas de moda do Rio e São Paulo se reflete em mudanças no estilo de vida e no vestir de cariocas e paulistas: outro dia, fui tomar café na Oscar Freire e observei a grande quantidade de meninas de shortinho jeans, camiseta "podrinha" e rasteirinhas (unanimidade entre as cariocas) por ali. Tudo bem que, arrematando o conjunto da obra, vinha um bolsão grifado, mas nada que comprometesse o look à carioca.

Tem também o caso inverso: observo —com bons olhos— as cariocas adotando mais alfaiataria, ainda que complementada com camisetas despojadas ou rasteiras, para um jantar em algum dos restaurantes da alta gastronomia paulistana no Rio.

Essa conversa pode ser fruto do recente processo de formação de grupos de moda nacionais que começam a reunir, sob a mesma administração, grifes de diferentes "naturalidades" brasileiras, sobretudo do Rio e de São Paulo. Mas não é só.

Também contribuem a presença de editoras cariocas em publicações de moda com sede em São Paulo, blogueiras e formadoras de opinião em desfiles de grifes de lá e cá e, claro, a expansão e o e-commerce de marcas icônicas dessas cidades bombando pelo país.

Todos esses ingredientes, sem dúvida, estão preparando uma nova e interessante receita para o cardápio da moda brasileira do século 21: refinamento e descontração.


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