Folha de S. Paulo


'Se eu fosse psicanalista, faria um curso de moda', escreve Gloria Kalil

Se eu fosse psicanalista, faria um curso de moda. Nada é tão revelador de uma personalidade quanto a roupa que a pessoa escolhe para vestir e se deixar ver, naquela hora, naquele dia.

Quem presta atenção na moda e tem algum conhecimento de seus códigos percebe, num piscar de olhos, o grupo a que a pessoa pertence (ou a que pretende pertencer), a relação dela com a idade que tem (ou que quer aparentar), o clima que ela quer passar: sexy, esportiva, discreta, clássica, desencanada, moderna.

Eu sei, de bater o olho em qualquer homem ou mulher, tudo o que eles pensaram ao escolher aquela roupa - e não outra. É bom que se diga que não sou nenhuma bruxa, tenho zero grau de mediunidade; essa minha percepção do recado que a roupa dá está na própria roupa; todas elas têm um significado e dizem muito sobre você.

Não conheço ninguém, mas ninguém mesmo, que abra o armário de manhã e tire dele a primeira peça que as mãos alcançarem. Nada disso. A pessoa faz um cálculo rápido, e quase que inconsciente, do seu dia: levo as crianças no colégio, depois vou para o escritório, almoço com fulano e de noite, antes de ir para casa, passo no bota-fora de sicrano. Aí sim, ela pega a roupa que vai mostrar ao mundo o modo como ela quer ser vista e avaliada naquele dia.

A maioria das pessoas acha que a moda é uma indústria que dita tendências e fabrica roupas. A graça da moda, pelo menos para mim, não é essa. Moda é um espelho de comportamentos pessoais, regionais e nacionais. Por isso, é tão variada e tão atraente.

Até os anos 1950, a moda era extremamente formal e ditatorial. Vinha de cima para baixo e ficava claro que ou você obedecia, ou você não pertencia a essa classe social dominante e informada. Era uma moda de exclusão, uma moda que representava classes.

Dos anos 1960 aos 1980, a moda descobriu o jovem e a informalidade. Foram duas décadas de revoluções de comportamentos políticos e sociais. O mundo se dividiu em direita e esquerda, cultura e contracultura, formalidade e informalidade. A moda representava essas duas posições.

A partir de 1990, com a queda do muro de Berlim, a globalização e a informática, o mundo se aproximou e a moda se pulverizou. Deixou de ser uma moda para poucos, para só duas possibilidades de expressão, para começar a representar individualidades, personalidades. Hoje, ela revela o estilo pessoal de cada um. Roupa passou a ser a maior bandeira que alguém pode dar sobre si.

Por isso, recomendo um cursinho de moda rápido para "psis" em geral, para sociólogos, professores, educadores. Nada dá mais pistas sobre um indivíduo, um povo ou uma cultura do que a roupa que elas usam.

Gloria Kalil é jornalista, empresária, consultora de moda e comanda o site Chic.


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