Folha de S. Paulo


Editora se questiona: moda é cultura?

Defender a moda é um desafio. Ainda há grande resistência e a ideia de que, para gostar dela, é necessário ser estúpido.

Hoje, mais do que nunca, moda é sinônimo de uma indústria bilionária que promove a superficialidade. Com tantas pressões em nossa sociedade (colapso econômico, desigualdade social, violência, destruição do ambiente), parece impossível convencer as pessoas de que a moda pode ser uma expressão criativa legítima, bela e positiva.

Moda pode ser também o que nos representa, um espelho das nossas emoções. Mesmo de maneira inconsciente, nossos desejos e valores são expressos através da vestimenta. É arma poderosa de sedução, militância, poder, rebeldia ou obediência. Em quantas camisetas brancas já não foram estampados desejos de paz? Além da dor, o que é associado imediatamente ao luto?

Todos os dias usamos as nossas roupas para passar uma mensagem, contar quem somos e como estamos. Isso nem te passa pela cabeça? Pois hoje nem mesmo uma armadura nos livra de sermos observados e avaliados e é a vestimenta o atalho mais rápido para decifrar os primeiros códigos.

A roupa sempre foi um veículo de expressão individual ou coletiva. E, como ilustrações no livro da vida, a moda é um fenômeno que responde rapidamente às mudanças do mundo.

O que uma moda exuberante e logomaníaca tem a dizer sobre uma sociedade? Espelho, espelho meu E o que significa quando ela se reinventa, escapista e divertida, após um momento de crise? O que acontece é que, hoje, as pessoas querem ter a experiência da moda sem necessariamente apreciar o que a torna interessante de fato.

Como observou Coco Chanel, moda não existe apenas nos vestidos, tampouco no luxo. "É o céu, a rua; tem a ver com ideias, com o que está acontecendo no mundo e como vivemos."
Por isso, cabe a ela o direito de ser reconhecida como expressão criativa. Da mesma maneira que um grande artista é admirado por suas contribuições à arte, a moda também tem um histórico de feitos importantes para a sociedade. O "empoderamento" feminino está, também, manifestado em criações de Chanel ou Yves Saint Laurent. E não é preciso amar Chanel ou YSL para compreender isso.

A arte pode ser definida como uma habilidade criativa do ser humano, que resulta em obras que são apreciadas por sua beleza, força, questionamento, protesto ou inovação. Não é diferente com a moda. Quando executada por mãos sensíveis, é pura expressão e aplicação da imaginação humana.

Se moda é arte? Essa é uma questão cuja resposta talvez nunca encontremos. E o cabo de guerra entre elas deve persistir. Podemos percebê-las como duas entidades com pontos em comum e antagônicos, que convivem e se alimentam uma da outra.

E, assim como a arte, a moda pode ser bela, instigante, chata, incompreensível, moderna, antiquada, inovadora, brilhante e, por que não, livre. É verdade, depende de quem faz. E de como você escolhe olhar para ela.

CAMILA YAHN é diretora de redação do portal de moda FFW e dretora artística do seminário Pense Moda.


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