Folha de S. Paulo


Fotografias tiradas por Dennis Hopper são redescobertas; confira

No início dos anos 1960, os amigos mal viam Dennis Hopper apontando ao longe, com uma câmera fotográfica balançando sobre o peito, e já brincavam: "Xi, lá vem o turista". Era improvável encontrá-lo em qualquer lugar –ruas do Harlem, touradas em Tijuana, bares de Londres, desertos no Peru– sem sua Nikon F.

Dennis Hopper já era Dennis Hopper, o jovem talento de olhos turquesa que contracenara com James Dean em "Juventude Transviada" (1955), interpretara Napoleão no cinema e alguns vilões em westerns para a TV. Mas ainda não era tão Dennis Hopper assim. Podia bem ser "o turista". E, fazendo jus à alcunha, fotografava obstinadamente –milhares de rolos de Kodak Tri-X.

Em algum momento de 1967, como a criança que larga o ursinho, ele deixou sua câmera. E foi escrever, protagonizar e dirigir o longa-metragem icônico "Easy Rider - Sem Destino" (1969). Dennis Hopper, agora o tal, jamais voltou à fotografia. Mas a fotografia voltou a ele, com todo o vigor.

Quem anda pelo bairro Mitte, em Berlim, é testemunha. Tremulando na fachada do museu Martin-Gropius-Bau, um jovem Paul Newman convida os passantes à fotografia de Hopper. No banner, o ator, retratado numa manhã de 1964, está sem camisa, mas a sombra de uma grade que envolve o seu corpo parece capturá-lo.

Não é coisa "de turista", como atestam as demais imagens de "The Lost Album". Com 400 fotografias, a mostra em cartaz até o final de dezembro no espaço alemão sugere justamente o oposto.

"Esqueça o diretor de 'Easy Rider', esqueça o ator de 'Apocalypse Now' e de 'Veludo Azul'. Olhe só para estas imagens e você vai concordar. Hopper foi um dos grandes fotógrafos americanos do século 20", afirma a convicta Petra Giloy-Hirtz.

A curadora alemã vem se empenhando para comprovar essa tese. Desde março de 2011, ela tem vivido nos anos 1960 de Dennis Hopper e foi por iniciativa dela que "The Lost Album" veio à luz.

BUGIGANGAS

Quando Hopper morreu, em 2010, aos 74 anos, a família pôs à venda a propriedade de 16 mil metros quadrados na qual ele vivia, em Los Angeles. Os bens do ator foram levados a um depósito.

Quando abriram as caixas, em meio a decorações natalinas e outras bugigangas, encontraram algumas centenas de fotografias em preto e branco. Elas estavam afixadas em cartões e sem molduras. Marin, a filha primogênita de Hopper, acionou Giloy-Hirtz, que já vinha pesquisando a fotografia de seu pai.

As ampliações encontradas tinham história: eram as usadas na primeira e maior exposição individual dele, em 1970, no museu Fort Worth, no Texas. O próprio ator, e então já aposentado fotógrafo, havia selecionado as 429 imagens –instantâneos da época mostram Hopper barbudo e descabelado pregando as fotos na parede do museu texano.

A exposição foi exibida em outro local apenas uma vez, na Corcoran Art Gallery, em Washington, em 1971. Depois, foram 40 anos na gaveta.

Divulgação
"Self-portrait at porn stand". Autoretrato de Dennis Hopper, tirado em 1962. Crédito: Dennis Hopper (The Dennis Hopper Trust)/Divulgação.
"Autoretrato de Dennis Hopper, tirado em 1962, numa banca de revistas pornográficas.

O conjunto que reaparece na capital alemã, em montagem que reproduz a da época, mostra um fotógrafo versátil. Além de retratos, estão lá fotos abstratas, urbanas, de moda e jornalísticas, como as que documentam uma marcha pelos direitos civis liderada por Martin Luther King, em 1965 –cinco dias a pé pelo Alabama.

"Queria deixar registros, fossem de Martin Luther King, dos hippies ou de artistas", expressou Hopper em 2000.

Para Giloy-Hirtz, os retratos são o ponto forte da iconografia hopperiana. "Ele foi um fotógrafo bastante completo, mas os retratos se destacam. Ninguém fotografou Warhol e os artistas pop tão bem quanto ele."

O ator circulava à vontade na trupe. Hopper também tentara a pintura e, como artista, havia seguido uma linha diametralmente oposta ao pop, o expressionismo abstrato. Mas não só foi amigo de Warhol e de sua turma como um colecionador de primeira hora, comprando por US$ 60 pinturas de latas Campbell.

Além de artistas plásticos como Jasper Johns e o veterano Marcel Duchamp –retratado de smoking numa vernissage em 1963–, Hopper também capturou um belo elenco de atores e músicos.

O comediante Bill Cosby aparece enfiado no meio de plantas, com um sorriso gaiato; James Brown circundado por admiradoras loiras; Tina Turner lavando roupa ao lado do marido Ike.

LIVROS

O catálogo da exposição também vale a visita. Nele foram reproduzidas as mesmas cópias expostas no museu alemão. As marcas deixadas pelo tempo, pequenas ranhuras, dobrinhas, furos, estão no livro, publicado pela editora alemã Prestel.

Mais facilmente encontrável no Brasil, um volume de 544 páginas (e 4,5 quilos) lançado em 2011 pela editora Taschen também apresenta um primoroso retrato de sua obra.

O livro "Photographs 1961-1967" reúne centenas de imagens, retratos dele feitos por outrem, imagens de bastidores dos filmes, cartazes e raridades, como suas fotos coloridas.

Artista do preto e branco, dizia que a cor o seduzia a se concentrar somente na cor, e seus verdadeiros interesses eram "os aspectos formais da fotografia". Como fazia questão de afirmar, fotografar era algo sério. Não era tarefa para turistas.


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