Folha de S. Paulo


Entenda para que serve mandar um jipe-robô para Marte

Quem diria? A velha e dilapidada Nasa, que nem possui mais meios próprios de mandar pessoas para o espaço, acaba de mostrar que ainda tem espírito épico.

A prova é o pouso perfeito do jipe-robô Curiosity numa cratera de Marte no começo deste mês. Muito podia dar errado: grandalhão -do tamanho de um bugue de praia-, ele não tinha como descer pelo método usual da Nasa, que envolve recobrir as pobres sondas com airbags e deixá-las quicar pelos pedregulhos extraterrestres.

Em vez disso, numa operação complicadíssima, o Curiosity foi depositado no solo de Marte com uma espécie de guindaste voador, sem nenhum arranhão no processo.

A saga de verdade começa agora, contudo. O Curiosity é, disparado, o artefato mais complexo que terráqueos já conseguiram botar no chão de outro planeta. Com 17 câmeras, é a primeira sonda interplanetária capaz de fazer imagens em HD. Pode percorrer até dois quilômetros por dia.

Trata-se de um laboratório sobre rodas, equipado, entre outras coisas, com canhão laser para pulverizar pedaços de rocha e sistemas que medem parâmetros do clima marciano, como velocidade do vento, temperatura e umidade... A lista é grande. Tudo para tentar determinar se, afinal de contas, Marte já foi hospitaleiro para formas de vida -ou quem sabe até ainda o seja.

TEM MAIS ALGUÉM POR AÍ?

Esta, claro, é a pergunta de US$ 2,5 bilhões (R$ 5 bilhões, valor do investimento na missão MSL, ou Laboratório de Ciência de Marte, como a jornada do Curiosity foi batizada).

Outros jipes-robôs mais modestos, como o Sojourner e os gêmeos Spirit e Opportunity (veja quadro acima), deram passos gigantes no sentido de demonstrar que Marte já foi mais "molhado", com água corrente pela superfície bilhões de anos atrás.

Hoje também se sabe que o subsolo marciano, em especial nas calotas polares, abriga enorme quantidade de água congelada. E há pistas de que água salgada pode escorrer pela superfície do planeta durante o verão marciano, quando, em certos lugares, a temperatura fica entre -25o C e 25o C.

Mesmo na melhor das hipóteses, são condições não muito amigáveis para a vida como a conhecemos. Mas os cientistas têm motivos para não serem tão pessimistas, ambos baseados no que se conhece a respeito dos seres vivos na própria Terra.

O primeiro é que a vida parece ser um fenômeno tão teimoso, ao menos na sua forma microscópica, que aguenta todo tipo de ambiente inóspito, das pressões esmagadoras do leito marinho ao calor e às substâncias tóxicas dos gêiseres.

Além disso, se o nosso planeta for um exemplo representativo da evolução da vida Cosmos afora, isso significa que a vida aparece relativamente rápido quando um planeta se forma -mais ou menos meio bilhão de anos depois que a Terra surgiu (hoje ela tem 4,5 bilhões de anos).

Ou seja, teria havido tempo, na fase "molhada" do passado de Marte, para que ao menos alguns micróbios aparecessem antes de serem destruídos pela deterioração do ambiente marciano. Será que algum deles não deu um jeito de se esconder no subsolo e ainda está lá, segurando as pontas?

E, se a coisa aconteceu duas vezes neste quintal cósmico, quantas vezes não terá ocorrido Via Láctea afora?

Ilustrações Estúdio Drum

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