Folha de S. Paulo


Diretora faz filmes de sexo em que mulheres são protagonistas e público-alvo

Uma mulher janta com o marido em um restaurante pequeno e acolhedor. Apesar de ligeiramente inebriada, registra a entrada de outro casal, que senta perto e começa o mesmo ritual -menu, vinho, pratos. Mas algo chama a atenção da primeira mulher: algemas. A moça ao lado, elegantemente vestida, tem as duas mãos atadas com o "acessório" enquanto seu marido lhe serve o jantar, leva a taça de vinho à sua boca...

"Alucinei! Quando vi aquela mulher algemada, eu me dei conta de que eles estavam trazendo a público uma fantasia. Queria usar isso imediatamente em algum trabalho", conta a diretora de cinema pornô para mulheres Erika Lust.

A sueca de 35 anos é célebre em seu meio por contrariar as normas do gênero e rechear suas histórias com uma atmosfera "erotic chic", produção cuidada, corpos de dimensões variadas e performances sexuais bem animadas. Tudo pensado a partir das fantasias e desejos femininos.

"Meus filmes mostram a viagem emocional de mulheres em busca do seu prazer. Elas são as protagonistas das minhas histórias", explica.

NORMAL

Daquele jantar insólito e sensual nasceu "Handcuffs", um curta-metragem que é o hit dos hits da Lust Films, a produtora que criou com o publicitário Pablo Dobner, seu marido há 12 anos. No curta, a protagonista fica completamente hipnotizada pelo casal e por suas algemas. Tanto que acaba interferindo na fantasia alheia. "No jantar real, não cheguei a ver como eles transaram. Mas imaginei!", lembra.

"As pessoas pensam que uma diretora de cinema pornô deve ter uma vida de orgias, mas não é nada disso."

"Estou casada com o mesmo homem há 12 anos, temos duas filhas pequenas, dirigimos uma empresa juntos. É tudo muito normal", afirma. "Seja lá o que normal quer dizer."

POLÍTICA

Em menos de 10 anos, Erika construiu, em Barcelona, sua própria produtora, na qual faz filmes com orçamento médio de 100 mil euros, e conseguiu, por meio de 15 sites, não apenas vender sexo mas fazer pensar sobre sexo e suas conexões com o discurso político.

Erika é formada em Ciências Políticas na Universidade Lund, na Suécia, onde estudou a fundo o feminismo. Sonhava poder mudar as possibilidades e ambições das mulheres trabalhando, por exemplo, para a ONU ou produzindo material de alto quilate acadêmico.

"Queria fazer algo para mudar a situação feminina no mundo e, assim, parecia natural que acabasse na academia ou em algum organismo internacional."

"Por isso, meus filmes pornôs vêm acompanhados de um discurso político, que, para mim, é fundamental", explica, rodeada de vibradores e apetrechos de sua loja, com pôsteres e imagens de alta voltagem erótica pelas paredes.

Apesar da resistência a ser apresentada como uma "bombshell" escandinava, Erika ressalta que seu "ofício" a levou a tratar abertamente de desejo, luxúria e sensualidade -e não só de um discurso feminista.

"Quando fiz meu primeiro curta ("The Good Girl", 2004), estava completamente perdida. Não tinha a mínima ideia de como dirigir uma cena de sexo", conta. Naquela ocasião, ela escalou, em uma agência de atores de cinema "adulto", o brasileiro Lucas Foz e a tcheca Claudia Claire.

"Tive muita sorte porque a química entre os protagonistas foi incrível, apesar da minha experiência nula. Eles estavam fazendo bom sexo", ri. Hoje, ela tenta fazer com que suas atrizes indiquem com quem gostariam de fazer as cenas, como aconteceu em "Cabaret Desire", seu último projeto, premiado com o Oscar do gênero, o Feminist Porn Awards.

INSPIRAÇÃO

"O casting é o momento mais delicado e custoso. Eu tenho que sentir a química entre eles e a deles comigo. Mas, sobretudo, eu preciso me sentir atraída por eles também", ensina Erika.
Mas jura que a atmosfera de suas histórias filmadas nunca passou para a vida real.

"Sou mais a típica boa amiga do que um objeto de desejo. Fico amiga dos atores. Sem falar que, em quase todos os meus filmes, eu estava grávida ou amamentando!", conta, rindo.

Sobre o futuro imediato, a inquieta Erika já tem dois projetos na mão, um filme "mais 'mainstream', com erotismo, mas sem sexo explícito", e outro mais "normal". Além disso, atualmente, sua empresa está investindo em dar um "Erika touch" também à loja virtual (erikalust.com ).

Ali, brinquedos eróticos de design aeroespacial ganham vida com um filmete realizado por ela. "Muita gente não sabe como funcionam os brinquedos e acho que muita coisa acaba na gaveta sem uso. As pessoas querem explorar um pouco mais a sua sexualidade, querem sexo mais variado. E buscam inspiração para isso."

"Acho que meus filmes são inspiradores nesse sentido, para homens e para mulheres que querem ver sexo real e se excitar com isso", finaliza.


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