Folha de S. Paulo


Autor de Avenida Brasil, João Emanuel Carneiro se mostra sereno

"Cadê seu João, meu Deus?!", pergunta Marta, a cozinheira do novelista João Emanuel Carneiro, autor de "Avenida Brasil", aflita com vários controles remotos na mão.

"A novela já começou. É só ligar a TV. Ele deve estar chegando", eu digo.

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"E o ibope?! Eu quero saber quanto está dando", diz ela.

Adriana Komura
"O drama de fazer novela é como se estimular. A cada dia crio um novo problema para mim", diz João Emanuel

Todas as noites, enquanto a novela é transmitida, João assiste a sua criação longe da telona da TV, próximo à telinha do computador, acompanhando minuto a minuto a audiência. "Esse brinquedinho é um vício", diz o autor, e concorda a cozinheira.

Enxadrista na infância, jogador de War, montador de quebra-cabeças, o minuto a minuto é mais um dos brinquedos que incentiva João a atravessar o oceano dos 180 capítulos. "O drama de fazer uma novela é a negociação sobre como se estimular por tanto tempo. A cada dia crio um novo problema para mim", diz ele.

O do capítulo daquela noite era grande: Jorginho (Cauã Reymond) descobria-se filho legítimo de Carminha (Adriana Esteves). Em boa parte das novelas, uma revelação desse tipo ficaria para o final. Mas puxar o próprio tapete é outra estratégia do autor: "O Burle Marx gostava de fazer jardins como um menino que quebra o brinquedo para reconstrui-lo. Eu funciono assim. Hoje, quebrei minha vilã, mas a humanizei".

Sobem créditos, e o jantar é servido. Marta preparou frango assado, farofa, salada, arroz basmati e batatas fritas com ervas. Sorvete de limão para a sobremesa e João volta a sentar diante do computador. "Preciso terminar a escaleta", ou seja, o rascunho do capítulo. Mas que, nas suas mãos obsessivas, vira quase um episódio pronto. Um capítulo de novela das nove tem, em média, 40 páginas; escaleta de João, com espaço simples e texto corrido, fica com 20 páginas.

Com serenidade impressionante para quem é o responsável da vez por entreter milhões de brasileiros e gerar aproximadamente 35% do faturamento da TV Globo, o autor exerce seu ofício como um buda: tranquilo. Escreve cada palavra em voz alta, como quem faz um bordado delicado. Se incorre em erro de digitação, a palavra inteira é apagada e reescrita. O mesmo cuidado é dedicado a cada cena: "Essa aqui está pronta, mas não está boa. Já mudei várias vezes".

São 2h quando sua tarefa diária termina.

Hora de tomar um copo de uísque e elaborar o problema do dia seguinte, para dormir estimulado e acordar disposto a recomeçar a brincadeira.


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