Folha de S. Paulo


Dermatologia deve resgatar lado médico, conclui debate

É preciso resgatar o lado médico da dermatologia. Embora os avanços da cosmiatria tenham sido importantes na aceitação do envelhecimento, a hipertrofia dessa área deixou na sombra doenças de pele graves e incapacitantes. Esse foi um dos principais alertas que os especialistas fizeram no Fórum Saúde da Pele, promovido pela Folha, com patrocínio da Sociedade Brasileira de Dermatologia, na quinta-feira (26).

Psoríase, hanseníase, vitiligo, doenças bolhosas, entre outras, precisam de mais atenção de médicos, dos laboratórios farmacêuticos, da mídia e do governo, segundo os palestrantes.

Considerados superficiais, esses males não correspondem, à primeira vista, aos requisitos que medem o impacto das doenças: mortalidade, gravidade e prevalência. "Não se leva em consideração o alto custo psicológico dos pacientes", afirmou José Antonio Sanches, professor-titular da USP e presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Há preconceito inclusive entre os médicos, que não enxergam a dermatologia como uma especialidade que trata doenças infecciosas, genéticas, autoimunes, tumores etc. "A pele é um órgão que remonta à medicina interna.
Um profissional bem formado tem que ser capaz de fazer diagnóstico significativos pelos sinais precoces que aparecem na pele", explicou Claudia Santi, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

A estudante de medicina Déborah Marietto, 20, do Centro Universitário São Camilo, diz que o choque entre os dois lados da dermatologia desincentiva os que estão começando na carreira. "Tem gente que acha que estudamos apenas para fazer peeling ou para receitar cremes", declarou Déborah, que foi assistir ao fórum, que reuniu 140 pessoas no teatro do Complexo Aché Cultural, na zona oeste de São Paulo.

O dermatologista Roberto Takaoka, fundador da AADA (Associação de Apoio à Dermatite Atópica), acredita que as doenças de pele estão entre as mais difíceis de lidar. "Quando optei pela área, achava que seria mais objetivo: ver algo na pele, fazer o diagnóstico, passar um creme e acabou o problema, mas não é assim", disse.

Os especialistas apontam uma demora no desenvolvimento de novos medicamentos dermatológicos. "Por um longo período, não tivemos nada de novo. A isotretinoína é dos anos 80 e só recentemente temos avanços com os remédios biológicos", declarou Sanches.

Adriana Porro, professora-adjunta de dermatologia da Unifesp, sentia-se angustiada ao atender, por exemplo, pacientes com psoríase grave porque não havia remédios específicos para a doença.

Para Carmelita Ribeiro, coordenadora no Ministério da Saúde, ainda existe na sociedade muito preconceito em relação a certas doenças como a hanseníase, identificadas como "problema de pobres". "Laboratórios, hospitais e outros agentes não se interessam, o peso fica todo para o governo."

Para a presidente da associação de apoio a pacientes Psoríase Brasil, Gládis Lima, falta interesse do governo em incorporar novos remédios e tratamentos. "Até o preenchimento de formulários para participar de consultas públicas é desnecessariamente difícil para os pacientes. O que pesa mais para o governo é o bolso, o quanto essa inclusão vai custar", disse.

Para obter avanços na área, os especialistas consideram fundamental disseminar informação sobre as doenças. É a saída para combater o preconceito e para mobilizar a opinião pública. "Quem sofre de hanseníase se retrai, não quer mais sair de casa. É comum o paciente buscar tratamento num hospital longe de casa, às vezes até em outro município, para que ninguém saiba", disse Carmelita.

José Sanches, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, contou que sempre se lembra da mãe, que sofria de psoríase, levando horas para se arrumar antes de sair de casa. "Ela tinha que esconder a doença, já que, quando eu era criança, não havia tratamento." O cenário mudou, mas nem tanto.


Endereço da página:

Links no texto: