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Trabalho e convívio social são negados a pessoas com doenças na pele

Trabalho e convívio social são negados a pessoas com doenças na pele

Formada em história e filosofia, além de ser técnica em enfermagem, Winny Dias, 29, nunca conseguiu emprego. A negativa vem de várias formas, mas a razão pode estar em sua aparência.

Winny convive desde criança com a ictiose lamelar, doença sem cura que resseca e causa fissuras na pele. Convive também com suas consequências sociais, o bullying na infância e os olhares diários no transporte, mas a falta de perspectiva de trabalho é o que mais a perturba.

Na própria faculdade de história, um professor foi o pivô do seu sofrimento. "Ele perguntou da minha doença e questionou na frente da turma inteira se eu realmente queria fazer aquele curso.Quando terminou a aula, vários alunos me cercaram e bombardearam de questões, depois disso, muitos se afastaram."

Como desistir não era uma opção para ela, que vive em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, encontrou no karatê uma forma de combater o preconceito. "A luta me mostrou que eu não era diferente, podia ser e fazer o que quisesse", diz, lembrando que lá, ninguém nunca a olhou "torto".

A autoestima conquistada – ela não se esconde em casa nem nega fotos – é fruto de um trabalho de apoio psicológico do grupo Dermacamp, que frequenta desde os 13 anos e do qual se tornou uma das coordenadoras em 2006.

No tatame, pelo menos, ela já venceu a luta, tornando-se campeã brasileira de karatê em 2016 e medalha de bronze neste ano. Winny não compete em nenhuma categoria especial.

Alberto Rocha/Folhapress
Winny Dias é portadora de ictiose lamelar, doença sem cura que resseca e causa fissuras na pele
Winny Dias é portadora de ictiose lamelar, doença sem cura que resseca e causa fissuras na pele

BAIXA ESTIMA E EMPATIA

Embora a chegada da internet tenha promovido um "boom" de informações disponíveis e facilmente acessadas sobre todas as patologias, ainda sobram preconceito e ignorância, segundo os especialistas presentes no fórum Saúde da Pele, realizado pela Folha sob patrocínio da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).

E, ainda que a maioria das doenças de pele não seja contagiosa, os relatos dos pacientes têm em comum as cenas de pessoas com medo de qualquer contato ou mesmo de chegar perto. A discriminação é um dos principais fatores da redução da qualidade de vida desses pacientes.

Segundo pesquisa deste ano feita pela União das Associações de Portadores de Psoríase do Brasil com 7.210 pacientes, 80% dos afetados pela psoríase no país afirmam ter a autoestima e a vaidade afetadas pela doença.

No caso da hanseníase, que até 1976 era conhecida como lepra e mudou de nome por causa do estigma, a incapacidade física causada pela doença é o fator fundamental para o preconceito.

"A pessoa se retrai, não quer mais sair de casa, muitas são demitidas. A maioria quer fazer o tratamento num hospital longe de casa, às vezes até em outro município, para que ninguém saiba", diz Carmelita Ribeiro, coordenadora da área dessa patologia no Ministério da Saúde.

Considerada um problema da saúde pública ainda no Brasil, a hanseníase atinge cerca de 30 mil novas pessoas por ano, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O número corresponde a 12% do total mundial – o país fica atrás apenas da Índia, que concentra marca de 60% dos casos da doença.

"Frequentemente as pessoas são xingadas, e ainda se fala 'você é leproso'. Muitos perguntam se é a mesma coisa, mas a lepra está relacionada a pessoas com muitas dilacerações, que morriam quando não havia tratamento facilitado. Hoje tem cura", afirma Ribeiro.

Ricardo Romiti, médico responsável pelo ambulatório de psoríase do Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, disse que a vergonha da doença chega a impedir os pacientes de procurar diagnóstico e tratamento.

"As doenças são comuns nos consultórios, mas tem muito desconhecimento fora dele. É ótimo que a pele fique exposta ao sol, por exemplo, mas a vergonha impede as pessoas de irem à piscina, à praia. Elas colocam mais roupas, para esconder", explica Romiti.

Para Claudia Giuli Santi, dermatologista do Hospital das Clínicas, o estigma e as dores são ainda maiores no caso das doenças bolhosas.

"Um exemplo é a doença do fogo selvagem, que como o nome mesmo mostra, são chagas na pele. Os pacientes ficam na ala de queimados. Elas não são prevalentes, como o vitiligo, mas causam sofrimento em dobro e até matam", afirma.

A médica acha que falta empatia no combate ao preconceito. "O próprio médico precisa ser educado, há um distanciamento entre quem trata e quem é tratado. Em algum momento a gente está falhando."

Uma saída para essa questão, de acordo com o dermatologista Roberto Takaoka, fundador da AADA (Associação de Apoio à Dermatite Atópica), é criar grupos entre pais, pacientes e médicos, extrapolando os limites dos hospitais.

"A visão científica é muito diferente da do paciente. É preciso aproximar as duas para ajudar no desenvolvimento e qualidade de vida dessas pessoas", afirmou Takaoka.


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