Folha de S. Paulo


Em São Paulo, escolas têm pouco espaço para ações independentes

Ao telefone, a diretora de uma escola no centro de São Paulo diz que não pode falar sobre autonomia na rede de ensino público estadual: "Não temos autonomia para dar entrevista, precisa passar pela Secretaria da Educação".

Escolas em diferentes redes, municipais, estaduais ou federais, têm graus menores ou maiores de vários tipos de autonomia. A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) mede, por exemplo, autonomia de escolas pelo mundo no que diz respeito à gestão de recursos, definição do currículo, de métodos de avaliação e de admissão de alunos –poder de dar ou não entrevistas não é mensurado.

No Brasil, o nível de autonomia das escolas é mais baixo que em países com melhores sistemas de educação. São Paulo não é exceção.

Herman Tacasey
Caderno Gestão Escolar marionetes de madeira produzidas pelo artista Herman Tacasey Foto: Herman Tacasey DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM

"Temos o direito de trabalhar os temas na sala de aula. Mas a autonomia de gestão, de currículo, administrativa, não temos. Isso é ruim", diz Maria Izabel Noronha, professora na rede pública há 15 anos e presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de SP.

Segundo Noronha, a grade curricular imposta pelo governo à rede limita o que o professor pode trabalhar. "Temos que adequar nossa jornada a essa grade, o que é lamentável. Nossa postura frente ao currículo teria que ser mais ampliada", diz.

Estudo do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) mostra que São Paulo tem um currículo posto pelo Estado muito extensivo, que dá pouca margem para personalização do ensino.

Segundo Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de desenvolvimento de pesquisas do Cenpec, é um comentário recorrente de professores da rede paulista que o currículo estadual e o material didático que o acompanha –de uso obrigatório, segundo Noronha– dão pouco espaço para a introdução de conteúdos relacionados à realidade de cada escola.

"O currículo comum precisa ser complementado por conteúdos locais, que cada escola deve selecionar. O currículo de uma rede nunca pode ser tão extenso que não permita a introdução de conteúdos de cada escola."
Há autonomia para que escolas façam suas avaliações internas, mas a existência de uma avaliação estadual unificada, o Saresp, atrelada a bônus, também contribui para homogeneizar a rede.

Como escolas que vão bem recebem bonificações, há um interesse em tirar boas notas. E já que a avaliação cobra o currículo estadual, melhor colocar todo o foco nisso.

Batista diz que as avaliações externas passaram a induzir aquilo que a escola ensina. "Como só se avalia português e matemática, essas disciplinas passaram a ser as principais. Muitas escolas da rede de ensino passaram a preparar para esses exames."

ESFORÇO INDIVIDUAL

Para Ricardo Ribeiro, professor da Unesp nas disciplinas coordenação pedagógica e gestão escolar, o grau de autonomia de cada escola depende de seus profissionais.

"Em algumas, seus educadores avançam além do conteúdo formal que é exigido e portanto ampliam a sua autonomia sobre a gestão curricular. Em outras, eles se submetem, apenas cumprem o que é determinado e, portanto, acabam tendo seu potencial de autonomia capturado."

Diante do currículo imposto, escolas podem fazer o mínimo ou ir além. Ailton Fernandes, professor da Escola Estadual Vital Fogaça de Almeida, na zona leste de São Paulo, diz ter liberdade para implementar o currículo mínimo como achar melhor.

Em sua sala de aula, complementa o uso da apostila dada pelo governo com livros e filmes de sua preferência.

O mesmo ocorre na rede municipal de São Paulo. A Emef Desembargador Amorim Lima, na zona oeste, é um exemplo de que escolas podem exercer mais autonomia –mas isso requer esforço.

"Cada instância de poder diz como tem que ser a escola. No sentido de achar que esse é um jeito melhor de coordenar o trabalho, porque, estando dentro de uma rede, todas as escolas têm que ser iguais nos princípios e pressupostos", diz a diretora Ana Elisa Siqueira. "Acaba sendo muito dificultoso se uma escola quer inventar um jeito de fazer. O que implica nas escolas não fazerem, e repetirem modelos prontos."

Na Amorim Lima, um novo projeto foi construído com os pais e levado pelos pais à secretária de Educação de Marta Suplicy, Maria Aparecida Perez. "A gente apresentou o projeto e ela disse : 'Topo'. Se ela não tivesse topado poderia ter sido diferente."

"Você precisa contar com pessoas que te apoiem em todas as instâncias –do secretário de educação até o pessoal da limpeza da escola. Imagina o que significa construir esse elo. Não é fácil."

Como as escolas não tem autonomia na escolha de professores, que fazem concurso e vão para onde há vagas, acontece de chegarem lá docentes que não abraçam a diferença. "Autonomia não significa fazer o que eu quero. Tenho que responder aos órgãos públicos. Mas preciso ter o mínimo de possibilidade pra construção de um projeto, ter uma equipe que queira estar aqui", diz Siqueira.


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