Folha de S. Paulo


Garantida por lei, autonomia das escolas não ocorre na prática

Herman Tacasey

Está na lei: a escola pública no Brasil tem autonomia para personalizar seu ensino, seu funcionamento e suas finanças. Cada uma delas pode, por exemplo, abolir as provas ou abrir a quadra de esporte para uso dos estudantes aos finais de semana.

A intenção é garantir condições para que a escola cumpra sua função, tornando a aprendizagem mais significativa e adequada ao estudante, levando em consideração a situação em que ele vive.

Especialistas concordam que, para alcançar essa autonomia, a busca por ela precisa ser constante. Esse trabalho acaba por fortalecer a instituição, uma vez que demanda a participação tanto de professores quanto de funcionários, alunos e pais.

Na opinião de Karina Molina, professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), "temos caminhado muito lentamente" nessa área. Isso teria a ver, segundo Molina, com a construção da ideia de que com a liberdade de escolha vêm responsabilidades para todos: é preciso ter um engajamento da comunidade em torno do colégio.

"A maior parte das escolas do Brasil não tem uma comunidade forte porque a rotatividade de professores e funcionários é alta", diz o cientista político Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Sem ter uma constância na formação de sua equipe, o diretor não "consegue criar a cultura pedagógica".

LIMITES

A mesma legislação que possibilita a autonomia também impõe limites a essa liberdade -as decisões da escola precisam seguir as regras da rede de ensino (veja exemplos de restrições ao lado).

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases), que regulamenta a Constituição de 1988, delega a Estados e municípios a decisão de como será exercitada a tal autonomia. Por isso, a situação é bastante diversa Brasil afora.

"Autonomia não é liberdade", diz Ricardo Pacheco, pesquisador da UnB (Universidade de Brasília) e professor da rede pública há 25 anos. Integrante do Consed, entidade que representa os secretários estaduais de Educação, e chefe da pasta no Acre, Márcio Brandão acrescenta: "Toda autonomia é relativa".

Um exemplo disso é a "Caderneta do Aluno", espécie de apostila para acompanhamento utilizada na rede estadual paulista para determinar o que deve ser ensinado.

Ou seja, a escola pode decidir sobre "como" ensinar, mas "o que" o estudante precisa saber já foi estipulado pelo governo do Estado.

"As apostilas [como os sistemas de ensino] devem ser um ponto de partida, não de chegada", afirma Molina.

UM BOM PPP

Além da participação da população por meio dos conselhos de escola e "associações de pais e mestres", um bom PPP (projeto político pedagógico) ajuda a construir a autonomia do colégio.

São as discussões entre professores, pais e alunos sobre como aprender ou quais conteúdos são significativos que vão alicerçando a identidade da escola e as bases para decisões futuras. Pacheco diz crer que o líder desse processo é o diretor, mas que ele não pode ser o único responsável por isso.

Já a mestre em educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) Mariana Vilella se preocupa com outro aspecto: "Autonomia não pode significar abandono. Não pode acontecer de serem transferidas responsabilidades para a escola sem transferência de recursos".

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ATÉ ONDE VAI A AUTONOMIA

ADMINISTRATIVA

PODE

Definir horários de funcionamento, oferecendo atividades extras de reforço e recreação, por exemplo

Permitir o uso dos espaços da escola pelas famílias dos alunos

Flexibilizar as folgas dos professores e funcionários para, por exemplo, possibilitar reuniões mensais com os pais aos sábados (quando esses profissionais estariam em casa)

NÃO PODE

Ela tem que cumprir a carga horária mínima de 200 dias letivos, com 800 horas de aula

Alugar ou manter negócios no local sem que haja previsão ou autorização do sistema em que está (rede municipal, estadual ou federal)

Contratar ou demitir professores e funcionários

FINANCEIRA

PODE

Definir em que projetos da escola a verba de material escolar será utilizada

Elaborar projetos e pedir verbas específicas para material, equipamento ou reparos e reformas

Eventos em conjunto com a comunidade para levantar verba para melhoria na escola, apesar de o financiamento ser uma obrigação governamental

NÃO PODE

Fazer compras sem que haja comprovação dos gastos com documentos enviados à devida secretaria (estadual ou municipal) ou à União (caso da rede federal)

Mudar a destinação da verba aprovada (se o dinheiro é para livro, ele não pode ser usado para reforma, por exemplo)

Pedir empréstimo em banco para efetuar consertos no prédio da instituição

PEDAGÓGICA

PODE

Escolher como serão as aulas –expositiva, por meio de experimentos, passeios ou produção do próprio material didático

Escolher se aluno será avaliado por prova, por portfólio ou outra estratégia prevista no PPP (Projeto Político Pedagógico)

Pode definir que assuntos serão prioridade no currículo dependendo da escolha da comunidade escolar -ênfase em assuntos de saúde ou história, por exemplo

NÃO PODE

Deixar de elaborar o PPP (Projeto Político Pedagógico), documento em que define o plano de ação da escola

Abandonar todo e qualquer tipo de avaliação

Descumprir o currículo que sua rede (municipal, estadual ou federal) considera obrigatório

Fontes: Daniel Cara (coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação), Karina Molina (professora da Universidade de São Paulo), Luiz Brito (coordenação regional de ensino de São Sebastião, DF), Márcia Angela Aguiar (professora da Universidade Federal de Pernambuco), Márcio Brandão (Consed)


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