Folha de S. Paulo


Imigrantes mudam o perfil do centro com lojas e restaurantes

Lalo de Almeida/Folhapress
Imigrantes no salão de beleza Jalekatu Angélica, na Galeria Presidente, próxima à praça da República
Imigrantes no salão de beleza Jalekatu Angélica, na Galeria Presidente, perto da praça da República

Djenab Soumah, 24, não tem dúvidas quando lhe perguntam o que ela mais gosta no Brasil. "O brasileiro", diz. Na verdade, uma brasileira em específico: Tiranké, sua filha, nascida no país.

De resto, Djenab, que veio da Guiné e vive no Brasil há cerca de um ano e meio, tem poucos elogios ao país. Ela mora em Osasco e todos os dias pega um ônibus com sua filha em direção à Galeria Presidente, a alguns quarteirões da praça da República, no centro de São Paulo. Conhecido como Galeria do Reggae, o local é um reduto de comunidades africanas no centro.

No primeiro andar, o espaço tem lojas de roupas, discos e tabacarias antigas. A partir do segundo piso, o cenário é outro, e mudou muito nos últimos anos. Salões de beleza e restaurantes improvisados de comida africana dão o tom do local.

Para Djenab, seu trabalho não é bem um trabalho. Ao lado de outros cinco conterrâneos, passa seu tempo em um minúsculo salão de beleza na galeria, o Jalekatu Angélica - Salão da Amizade. Os clientes são raros. "Aqui é muito fraco", diz ela. "É difícil arrumar trabalho. Por mim, voltaria para Guiné, mas falta dinheiro."

A galeria não é o único lugar da região central de São Paulo que mudou de cara com a chegada de imigrantes.

Na região do Brás, de passado industrial, imigrantes bolivianos mudaram o perfil das redondezas abrindo lojas e restaurantes.

Em 2014, a rua Coimbra –que concentra grande número de negócios dos imigrantes– se tornou, por portaria da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, patrimônio dos bolivianos. Há duas décadas, a rua era dominada por galpões e casas vazias.

APOIO

"Os imigrantes chegam aqui com muita expectativa, acham que o Brasil tem muitas opções", diz a colombiana Viviane Peña, coordenadora do Crai (Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes), órgão municipal localizado na Bela Vista que realiza atendimento especializado à população imigrante da cidade. Só neste ano, o centro já fez cerca de 3.600 atendimentos.

A equipe, de sete pessoas, tem cinco imigrantes. Além de Peña, o Crai conta com atendentes de Síria, Congo, Angola e Peru. "Nós sabemos o que é ser imigrante. Conseguimos criar vínculos a partir dessa situação", diz Peña.

Para o italiano Paolo Parise, padre que comanda a Missão Paz, na região do Glicério, que se notabilizou pelo seu atendimento a imigrantes haitianos, quem vem de fora acaba criando também uma ligação com o próprio centro. "A maioria dos equipamentos de atendimento a essa população está aqui, então depois de serem atendidos eles criam vínculos e se sentem mais seguros em regiões próximas, fazendo com que estabeleçam comunidades e redes na região central."

De acordo com ele, um levantamento feito pela missão mostrou que há 170 pensões na região do Glicério. "São verdadeiros 'buracos', onde os imigrantes pagam de R$ 500 a R$ 600 por mês apenas pela comodidade de morar perto de tudo."

O sonho de morar no centro virou realidade há 30 anos para a boliviana Flora Fernandes. Ela veio para o Brasil há quase meio século, sozinha, depois de perder os pais e os avós. Trabalhou como costureira e foi abandonada pelo marido para cuidar sozinha dos três filhos.

"Sugeriram que eu pedisse esmola", lembra.

"Amamentava meu filho de dois anos na oficina de costura, trabalhava sábados, domingos e feriados."

Fernandes morava na Barra Funda, ao lado do viaduto Orlando Murgel. Quando ia ao trabalho, passava pelo bairro dos Campos Elíseos e namorava um velho sobrado.

"Eu pedia muito a Deus para que ele fosse meu, mas me perguntava 'quem sou eu para ter uma casa no centro?'."

Há três décadas, ela deu entrada no sobrado. Para pagar as prestações, vendia salteñas, as empanadas bolivianas, aos sábados. Com o tempo, os quitutes passaram a render mais que a costura.

Fernandes, então, abriu um pequeno restaurante no fundo de seu quintal, meio clandestinamente. Ele funciona até hoje, agora legalizado, mas abrindo apenas em certos domingos.

O nome, Rincón La Llajta, foi dado "pelo povo que vinha aqui", afirma Fernandes. "Em Cochabamba, significa algo como 'meu cantinho da cidade'", conta.


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