Folha de S. Paulo


Propaganda de bebida alcoólica faz mal, dizem profissionais da saúde

Adriano Vizoni/Folhapress

Quase 20% dos brasileiros não bebem com moderação e 12% dos homens misturam direção e álcool -apesar dos alertas e das campanhas na TV. Os dados do Ministério da Saúde mostram a importância de estratégias de redução de danos, que buscam remediar além de prevenir.

Com o álcool, o conceito ganha aplicações diferentes das drogas ilícitas ou mesmo do cigarro. A prioridade não é oferecer ao consumidor um ambiente seguro, e nem sempre funciona trocar uma bebida por outra "mais fraca".

O que existem são medidas individuais e coletivas para reduzir o consumo, que envolvem desde intercalar a ingestão de álcool com água até impor restrições sobre a propaganda desses produtos.

"Ações coletivas são as que mais protegem a população contra acidentes de trânsito, transgressões e episódios de violência", diz Zila Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. Mas também são as mais difíceis de serem colocadas em prática, porque envolvem políticas públicas e mudanças na legislação.

Mais da metade dos brasileiros acima de 15 anos consome bebidas alcoólicas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. A ingestão de álcool per capita no Brasil é de 8,9 litros por ano -acima da média dos países do continente americano, que é de 8,2 litros por pessoa.

Os números desafiam governo e fabricantes a conter o abuso de álcool e ajudar a OMS a alcançar uma meta traçada em 2014: reduzir em 10% a ingestão da substância no mundo até 2025.

"Em termos de legislação, o Brasil está mais avançado do que a média. Aqui, a tolerância é zero para beber e dirigir. Não é assim no Canadá, na Alemanha nem no Reino Unido", diz o psiquiatra Arthur Guerra, presidente-executivo do Cisa (centro de informações sobre álcool).

Ele também destaca a proibição de venda para menores de 18 anos. "As leis são boas, o que falta é fiscalizar."

Para Sanchez, é preciso mais. "Tem que acabar com promoções do tipo 'pague um, leve dois' e combos de destilado com energético. Não existe nenhum controle disso no país, é um absurdo."

A lista de políticas públicas ideais para ela inclui ainda controlar o número de bares em uma região, limitar o horário do comércio de bebidas e não vender álcool para quem já estiver bêbado.

AUTORREGULAÇÃO

O psicólogo Francisco Netto, um dos coordenadores do programa sobre álcool da Fiocruz, afirma que o principal problema é a propaganda, autorregulada pelo setor.

"A legislação é muito permissiva. É preciso controlar mais o horário dos anúncios e não permitir o patrocínio de fabricantes a shows e eventos esportivos. Se eles lucram com a venda da substância, não faz sentido definirem os limites desse mercado", diz.

Angelo Campana, psiquiatra e presidente da Abead (associação de estudo sobre o álcool), faz coro: "As propagandas não deveriam ter apelo sexual nem famosos. Elas têm, porque resolveram dizer que bebida alcoólica é só acima de 13 graus".

Vinho e cerveja são consideradas "bebidas de mesa" pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e seus anúncios não têm restrição de horário -propagandas de destilados, por exemplo, só podem veicular depois das 21h30.

"Esse tipo de controle é semelhante ao existente em países de economia e cultura parecidas com o Brasil. É uma das restrições mais rígidas existentes", diz Gilberto Leifert, presidente do Conar.

O Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que apoia a elaboração de projetos de lei para melhorar a regulação sobre a venda e a publicidade de drogas lícitas. No momento, o ministério promove três programas de prevenção ao consumo de álcool, todos voltados para crianças e adolescentes.

Esse é um dos três públicos para os quais a redução de danos não funciona. Como não há dose segura, o ideal é a abstinência. Grávidas e motoristas também não devem ingerir a substância. Guerra lembra ainda que cerca de 3% da população é dependente química do álcool. "Nesse caso, o único tratamento possível é deixar de beber."

Para Netto, não deve existir uma oposição entre redução de danos e abstinência. "É claro que seria melhor a pessoa não beber, mas temos que ser realistas e entender que nem sempre ela vai conseguir, e não podemos deixar de cuidar dela por isso."


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