Folha de S. Paulo


Pedófilos condenados são atendidos em programa psicossocial no DF

Condenados por abuso sexual de crianças e adolescentes no Distrito Federal podem ser encaminhados a um programa de tratamento psicossocial, a mando da Justiça.

O PAV-Alecrim (Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência), vinculado à Secretaria de Saúde do DF, é o único no país a atender abusadores adultos que já cumpriram pena em regime fechado. É pré-requisito que eles não tenham matado suas vítimas e que elas façam parte da família ou do seu círculo de convivência.

Em três anos e meio de vida, o local recebeu 108 criminosos. A maioria é de homens de 40 a 59 anos (61,2%), casados ou em união estável (60%), condenados por estupro de vulnerável a penas de 8 a 15 anos de prisão. Por se tratar de crime hediondo, o preso só pode deixar a cadeia após cumprir dois quintos, se for primário, ou três quintos, se for reincidente.

O foco do programa, que atendeu duas mulheres até agora, é evitar que os condenados voltem a cometer o crime. "O objetivo é promover reflexão acerca do ato violento e estabelecer estratégias de controle com foco na diminuição de risco de reincidência", diz Fernanda Falcomer, chefe do Núcleo de Estudos e Programas na Atenção e Vigilância em Violência, ao qual o projeto é subordinado.

Obrigados pela Justiça a comparecer ao programa, os agressores chegam reticentes. "No primeiro momento, não assumem o crime. Todos apresentam algum nível de negação", diz o psiquiatra Thiago Blanco, que faz parte da equipe do PAV-Alecrim.

Na primeira etapa, o abusador passa por até quatro sessões –uma delas acompanhado da família– com psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras. Depois, são mais oito sessões em grupo. O processo dura cerca de um ano.

Eduardo Knapp/Folhapress

O psiquiatra diz que há grande contraste entre o que os pacientes falam e o que está descrito nos processos. São comuns os argumentos "fizeram complô contra mim", "só fiz uma vez" e "fui condenado porque não deixaram que eu me defendesse".

Blanco afirma ver uma "distorção cognitiva" na maioria dos agressores, que pensa que suas vítimas queriam ter relações sexuais com eles.

'DESEJO MÓRBIDO'

Guido Palomba, psiquiatra forense e diretor da Associação Paulista de Medicina, diz preferir outro termo para falar sobre abusadores. "O que eles têm é um transtorno mental. Muitas vezes entendem o que estão fazendo, mas são incapazes de parar porque são dominados por um desejo imperioso e mórbido."

Palomba defende que, para que abusadores sexuais de crianças e adolescentes sejam colocados em liberdade, haja um exame psiquiátrico de cessação da periculosidade, no qual seriam avaliadas as possibilidades de o indivíduo voltar a cometer crimes.

"Assim como há dores de cabeça mais fortes e mais fracas, há pedofilia mais forte e mais fraca. Comportamentos mais e menos reiterados", diz o psiquiatra forense. "Mas não quer dizer que o menos reiterado não ultrapassou a mesma barreira ética, moral e de valores que os demais."

A equipe do programa do Distrito Federal é enfática em afirmar que a violência sexual não escolhe renda, cor ou classe, e que o perfil do abusador é heterogêneo.

Os atendidos no local, entretanto, são egressos do sistema prisional, e suas características majoritárias seguem a da massa carcerária: a maioria é negra e pobre. A maior parte sofreu algum tipo de violência na infância. Não há, porém, segundo os responsáveis pelo programa, dados suficientes para estabelecer relação de causalidade entre o histórico do indivíduo e o abuso perpetrado por ele.

Guido Palomba concorda. "Não há relação nenhuma. Pode-se até mesmo ter sido abusado na infância e virar ativista contra o abuso, levantar bandeira contra isso."


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