Folha de S. Paulo


Adolescentes vivem rotina de uso de drogas e prostituição em Santos

No começo, L. não percebeu a má intenção. Ao contrário. Cada vez que era tocada sabia que ganharia alguma coisa em troca: um brinquedo, um chocolate, um doce, agrados que não eram comuns receber em casa.

"Um amigo da minha mãe mexia comigo. Quando eu tinha sete anos, ele me fez mulher usando o dedo. Logo depois, começou a transar comigo. Quando eu tinha 12 anos, ele foi embora. Eu comecei a fazer programas na rua em troca de presentes", explica a menina, hoje aos 15 anos, com tom de voz e olhar resignados.

L. é uma das vítimas de abuso que permanecem sob exploração sexual nas áreas central e portuária da cidade de Santos, no litoral de São Paulo. Sem querer, pegou um caminho no qual não consegue encontrar a volta.
Seu pai está preso. A mãe a expulsou de casa. "Ela tem ciúme do meu padrasto", justifica a adolescente, que diz pagar o quarto em que dorme na "casa de umas amigas" com dinheiro da prostituição.

Durante as madrugadas, nas ruas próximas ao cais, conheceu a maconha e hoje é usuária também de cocaína.

"Às vezes preciso dar uns 'tiros' [cheirar cocaína] para poder fazer programa, porque tenho nojo. E ainda tem homem que quer transar e não quer pagar. Se a gente reclama, ele bate na gente. Por isso, a gente precisa de patrão [cafetão]. Ele protege, mas tenho de trabalhar mais para dividir o dinheiro [R$ 50 por programa]", conta L., com uma naturalidade que assusta.

SEM ESPERANÇA

Apesar do esforço de alguns órgãos independentes em Santos, as reclamações se acumulam sem que nada efetivo seja realizado na cidade.

Até a década passada, o Projeto Sentinela, financiado pelo governo federal, atendia crianças e adolescentes na mesma situação de L. de forma mais efetiva –havia equipes de abordagem nas ruas, com técnicos especializados (psicólogos, assistentes sociais) e uma sede com atividades, lazer e cursos profissionalizantes.

Depois da implantação do Suas (Sistema Único de Assistência Social), em 2005, o Sentinela foi extinto e o município enfrenta dificuldade para diagnosticar e combater o problema da exploração.

"Com o Sentinela, que existia em todo o Brasil, ganhamos dois prêmios como melhor programa do país. Não tem mais um trabalho eficiente voltado especificamente para essas meninas", afirma Idalina Galdino Xavier, conselheira tutelar da região central santista.

No ano passado, a cidade contabilizou 159 ocorrências de abusos sexuais, segundo osdados da Ceviss (Comissão de Enfrentamento à Violência Sexual Infantojuvenil de Santos).

"Esse número certamente é maior porque são apenas os casos registrados, quando alguma criança recebe atendimento e é constatado o abuso. Mas não há dados sobre a exploração sexual, que é o que vemos quando nossas meninas estão nas ruas se prostituindo", diz Cláudia Diegues Krawczuk, coordenadora do Ceviss.

NOVA ABORDAGEM

Edmir Santos Nascimento, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, defende a ampliação das equipes de abordagem nas ruas e a criação de um grupo específico voltado para o combate da exploração sexual.

"Hoje, se fala muito em tentar incluir essas crianças e adolescentes em programas da área da cultura e do esporte. Mas isso é coisa para a parte final do atendimento. É preciso um atendimento mais personalizado para cativar e conquistar a confiança das crianças. É exatamente aí que a cidade está pecando", diz.

O argumento de Nascimento é reforçado pelo da professora Maria Izabel Calil Stamato, coordenadora do curso de psicologia da Unisantos.

"Uma das maiores dificuldades é estabelecer vínculo com essas crianças. Para desenvolver um bom trabalho, é necessário conquistar a confiança delas, cativá-las, entrar em sua realidade. Por isso, é fundamental ter uma boa abordagem de rua. O primeiro passo é acolher e não julgar. As pessoas precisam deixar a visão moralista de lado", diz Stamato.

AÇÕES DO GOVERNO

A Prefeitura de Santos, por meio de nota, informou que existem programas aplicados nas escolas (De Mãos Dadas com a Sexualidade, Programa Saúde na Escola e Santos Jovem Doutor), com palestras e atividades.

A Secretaria de Assistência Social da cidade não atendeu ao pedido de entrevista com a chefia da pasta feito pela reportagem da Folha.


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