Folha de S. Paulo


Maioria dos agressores não é responsabilizada, afirma pesquisadora

Danilo Verpa/Folhapress
A psicóloga Rosângela Francischini
A psicóloga Rosângela Francischini

Menos de 1% das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes feitas no país entre 2006 e 2009 resultou em condenações definitivas até 2010, segundo estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

A pesquisa mostrou que só 3,5% dos casos levados ao Disque 100 no período já haviam sido julgados em 2010, enquanto 35% não foram localizados e 22%, arquivados.

As porcentagens são quase iguais tanto para denúncias de abuso como para as de exploração de menores.

Para enfrentar essas duas formas de violência é essencial diferenciá-las, diz a psicóloga Rosângela Francischini, 57, professora de pós-graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pesquisadora do Centro de Investigações em Estudos da Criança, da Universidade do Minho (Portugal).

"A exploração envolve uma rede, mais organizada do que os que tentam combatê-la", diz Francischini.

Em entrevista à Folha, a especialista diz também que tabus relacionados à sexualidade dificultam o combate do que ela define como a pior forma de violência sexual.

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Folha - Qual é a definição de exploração infantil?

Rosângela Francischini - É uma modalidade de violência sexual, violência que pode se manifestar como abuso ou como exploração.

Quais as diferenças?

O abuso é a utilização do corpo de criança ou adolescente para a prática de qualquer ato de natureza sexual, coagindo a vítima física, emocional ou psicologicamente. A exploração é uma relação mercantilizada de abuso ou poder sobre o corpo por exploradores sexuais organizados em redes de comercialização local e global ou por pais e responsáveis e por consumidores de serviços sexuais.

No abuso não está presente o caráter mercantil, de obtenção de ganho material. Na exploração, a sedução, pela possibilidade de obtenção de algo, é acentuada.

E quais as convergências entre essas duas faces da violência?

Ambas colocam a criança em situação de opressão, medo, humilhação e interferem negativamente no seu desenvolvimento e no de sua sexualidade. Ambas se configuram como o exercício abusivo e distorcido do poder do adulto sobre a criança ou o adolescente. Nos dois casos, as relações entre o violentador e a vítima são assimétricas, estão em questão relações de poder. A exploração sexual é a grande violência, a mais perversa, não deixa de ser uma forma de abuso no sentido mais popular da palavra.

Por que distingui-las?

Por efeito didático. Políticas públicas de atendimento necessitam levar em consideração essa diferenciação para que as ações sejam eficazes. A exploração envolve uma rede –agências de turismo, hotéis, motoristas, casas de show etc.– que precisa ser identificada e combatida. É uma rede muito mais organizada que os grupos e instituições que tentam combatê-la.

Já o abuso é praticado, na maior parte das vezes, por pessoas próximas do convívio da criança ou do adolescente, membros de sua família, vizinhos ou pessoas da comunidade, com as quais mantém relação afetiva, de confiança.

Os abusos deixam a criança mais vulnerável à exploração ou uma coisa leva à outra?

É uma ligação que parece óbvia para o imaginário da maioria, mas os estudos não comprovam o senso comum. O que existe é relação entre maior vulnerabilidade econômico-social e violência, de qualquer tipo: física, sexual, familiar ou institucional.

Como esse imaginário interfere no combate ao crime?

A sexualidade é tabu, o medo e a culpa muitas vezes impedem a vítima de relatar o que sofreu, o que leva à subnotificação dos casos.

Em relação ao abuso, há a construção social de que o que ocorre no espaço familiar é da ordem do privado, e não se deve interferir.

Outra questão diz respeito à responsabilização dos agressores. Os dados são preocupantes: demonstram que uma ampla maioria dos abusadores não é responsabilizada penalmente por seus atos.


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