Folha de S. Paulo


Imunoterapia avança contra câncer de pulmão e melanoma

As pesquisas em torno de novos tratamentos contra o câncer investem cada vez mais em uma arma presente no próprio corpo do paciente: o sistema imunológico.

A imunoterapia entusiasma médicos e pesquisadores por conta dos bons resultados, mas, além do alto custo, o principal desafio ainda é entender a razão de o tratamento ser eficaz apenas para uma porcentagem pequena de pacientes.

Métodos tradicionais como terapias-alvo, quimioterapia e radioterapia atacam o tumor diretamente. Já a imunoterapia, considerada o maior avanço contra a doença pela Sociedade Americana de Oncologia em 2016, estimula o próprio organismo a reagir contra o tumor.

A imunoterapia já é bastante usada para tratamentos de melanoma e câncer de pulmão, mas, segundo Helano Carioca de Freitas, oncologista e coordenador de pesquisa do hospital A.C. Camargo, as pesquisas caminham para ampliar o uso nos casos de câncer na bexiga e no rim.

"Dos estudos que temos para abrir aqui, 22 são de imunoterapia, 18 de terapia-alvo, e só dois de quimioterapia. Quase não sai mais nenhum quimioterápico novo", diz.

Imunoterapia avança contra o câncer

A pesquisadora brasileira Alice Kamphorst afirma que, "em termos de eficácia e efeitos colaterais", o tratamento é mais eficiente do que a quimioterapia. Mas pondera: há um "boom" de testes clínicos e muitos podem dar errado.

Kamphorst trabalha há seis anos com Rafi Ahmed, chefe de um dos principais grupos de pesquisa em imunoterapia no mundo, na Universidade Emory (EUA). Ahmed destaca o potencial de vacinas anti-câncer, personalizadas para cada paciente. Segundo ele, há "literalmente centenas" de companhias de biotecnologia nos EUA trabalhando para criar essas vacinas.

Algumas empresas têm sistemas robóticos que isolam o tumor, tiram uma amostra e fazem o sequenciamento genético para descobrir suas mutações específicas.

Após análise dos dados, são definidas as mutações com maior chance de levar a uma resposta imune. Pedaços de proteína, RNA ou DNA, são produzidos para serem usados como vacina.

Um caso recente de sucesso foi o do americano Richard Grady, 50, tratado de um tumor no cérebro (glioblastoma) que havia se espalhado para a medula espinhal. Os médicos lhe davam, no máximo, seis meses de vida.

Os procedimentos envolveram uma combinação de cirurgia com a terapia experimental onde linfócitos de Grady foram coletados, modificados geneticamente para combater o tumor e reintroduzidos no paciente.

Grady surpreendeu por sofrer poucos efeitos colaterais. Na metade do tratamento, já voltou ao trabalho. Ele, porém, não está curado. Mais de 15 meses após o diagnóstico, novos tumores apareceram em seu cérebro e na medula.

SEM RESPOSTAS

Segundo os pesquisadores e médicos ouvidos pela Folha, um dos maiores problemas da imunoterapia é a expectativa gerada. "Os números [de eficácia] continuam sendo de 20% a 25%, o que significa que, para 75% das pessoas, não funciona. Espero que os médicos falem desses números aos pacientes", diz a bióloga Kamphorst.

O sistema imune é complexo e relativamente pouco compreendido. Modular sua atividade ainda é muito arriscado. "Tem muita coisa que não está respondida", afirma Vladmir Cordeiro de Lima, oncologista e pesquisador do hospital A.C. Camargo. "Como as novas drogas tiram os freios da resposta imunológica, pode-se começar a ter respostas do sistema contra estruturas normais; são os efeitos imunomediados, que podem ser muito graves, podem até matar."

Ahmed acredita que o desenvolvimento mais importante na imunoterapia virá de duas frentes: entender por que só cerca de 20% dos pacientes respondem por longos períodos aos tratamentos e desenvolver terapias combinadas mais eficientes e personalizadas para o tumor de cada paciente.

DESAFIOS DA IMUNOTERAPIA

Apesar dos avanços em relação à imunoterapia, elaborar esse tipo de vacina é um processo caro e trabalhoso. Vladmir Cordeiro de Lima, oncologista e pesquisador do A.C. Camargo, afirma que uma produção em larga escala é muito complicada. "Não é um produto comercial; o processo é muito trabalhoso para gerar essas células", diz.

Helano Carioca de Freitas, também do A.C. Camargo, afirma que os custos são o maior empecilho. O tratamento mais bem sucedido custa de R$ 30 mil a R$ 40 mil reais por mês, sendo que o prazo padrão de duração hoje é de dois anos.

Pelo menos, segundo Freitas, eventuais benefícios são observados logo: "Com dois meses de imunoterapia já dá para perceber o que está acontecendo com o paciente, se o tratamento está funcionando", explica.

Freitas conta que pelo menos uma empresa brasileira, a Recepta Biopharma, está desenvolvendo drogas que interferem nos freios do sistema imunológico.

A empresa tem como presidente José Fernando Perez, ex-diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), e inclui Emílio Odebrecht como um dos conselheiros administrativos.

O trabalho é feito em parceria com o BNDES e institutos e agências financiadoras de pesquisa brasileiros para oferecer essas drogas por preços mais baixos e vendê-las no SUS.

Mas, para uma nova droga chegar ao SUS, é necessário que passe por um processo que pode levar muitos anos, segundo Freitas. "Isso é um prato cheio para a judicialização, porque as pessoas veem a imunoterapia na mídia e querem receber o tratamento", diz o médico.

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Criar desafios facilitou minha recuperação

Aos 16 anos, Lucas Codogno foi parar no hospital com uma crise de falta de ar. Saiu de lá com um diagnóstico de linfoma de Hodgkin no estágio 4. Três dias depois, deu início à quimioterapia.

Renato Stockler
Lucas Codogno Ramalho em estúdio em Alto de Pinheiros
Lucas Codogno Ramalho em estúdio em Alto de Pinheiros

Perdeu o cabelo, ficou inchado e fazia os trabalhos da escola em casa, mas não deixava de frequentar as aulas quando se sentia disposto. E passou a criar desafios para si mesmo, como o de jogar tênis, esporte liberado pelos médicos.

"Nunca me deixei levar. Acho que isso ajudou a me recuperar tão rapidamente", diz. Em 2013, dois anos após o diagnóstico, disputou uma maratona de 10 quilômetros. "Eu já estava voltando a tocar a minha vida, queria me superar."

A doença, é claro, o modificou. "Existe o Lucas de antes da doença e o de depois. Eu passei a valorizar as pequenas coisas, o dia a dia."


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