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'Problema' virou 'imprevisto', diz homem que superou câncer três vezes

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O tratamento do câncer no Brasil evoluiu para se tornar mais interdisciplinar. Hoje as terapias incluem acompanhamento da qualidade de vida do paciente, orientação nutricional e até mesmo psicológica.

Os cuidados devem olhar o paciente como um todo e continuar até mesmo após a cura.

É a conclusão dos participantes da última mesa de debate do Fórum A Jornada do Paciente com Câncer, promovido pela Folha com patrocínio do laboratório Bristol-Myers Squibb, realizado na segunda (24) e terça-feira (25), no teatro Unibes Cultural, em São Paulo.

Para Ludmila Koch, oncologista do Hospital Albert Einstein, o tratamento deveria ser composto por três etapas: a fase do diagnóstico e tratamento, a fase da remissão, e a terceira: o retorno do paciente a sua vida pessoal e profissional.

"Às vezes, após o tratamento, o paciente se sente abandonado. Ele é curado do tumor mas tem um adoecimento psicossocial", diz a médica, que participou da mesa ao lado da psicóloga oncológica Paula Kioroglo, do Hospital Sírio Libanês, e do ex-paciente Paulo Henrique Velloso.

Segundo Kioroglo, doenças como transtorno de ansiedade e depressão afetam ex-pacientes que não conseguem lidar com suas sequelas ou com a possibilidade de uma recidiva.

"Não é normal um paciente com câncer estar deprimido. Se está, precisa de cuidados, para que não seja mais um fator que atrapalhe sua melhora", afirmou a psicóloga.

Para Kioroglo, é essencial adaptar as expectativas para o novo estilo de vida depois do tratamento. "Alguns têm sequelas físicas como a perda das mamas, da potência sexual, outras vezes psicológicas."

"O ex-paciente passa por um luto. Não pela morte, mas pela mudança e pela perda uma vida que existia antes e agora não tem mais", acrescentou.

Esse processo, segundo a psicóloga, pode ser transformado em algo positivo. "Alguns vivenciam um crescimento pós-traumático por causa do câncer".

REALINHAMENTO

É o caso de Paulo Henrique Velloso. Ele foi diagnosticado com seminoma aos 17 anos, enquanto estudava para o vestibular. Após a cura, descobriu um segundo câncer, aos 20: linfoma Hodgkin, e de novo, aos 23, um linfoma não-Hodgkin.

"Essas três lutas serviram para realinhar alguns valores da minha vida, avaliar o que realmente importa. O que antes eu chamava 'problema', hoje eu chamo de imprevisto", diz.

Para Velloso, o mais importante após o câncer é encontrar uma atividade que propicie bem-estar. "No meu caso foi o esporte", diz. Depois da recuperação ele completou duas vezes a prova Ironman, onde cada participante tem que nadar 3,8 km, percorrer 180 km de bicicleta e correr mais 42 km. "Cada pessoa tem que procurar aquilo que lhe dá prazer."

FAMÍLIA

O ideal é que a terapia envolva não apenas o doente. "Cuidar da família é cuidar indiretamente do paciente", diz Kioroglo. "Os profissionais de saúde não têm, em sua formação, o desenvolvimento de competências técnicas para lidar com os familiares", diz.

Velloso afirma que uma das partes mais difíceis da sua experiência foi ver o impacto que a doença causou em âmbito familiar. "As pessoas tinham dúvidas se eu seria curado e tentavam esconder isso de mim. Mas a gente consegue captar".

Para Kioroglo, a atenção familiar se torna ainda mais importante nos casos de câncer pediátrico. Nesses casos, há dois problemas muito comuns. O primeiro é não conversar sobre a doença com a criança. A segundo é uma superproteção por parte dos pais.

"Os pacientes crescem e se tornam adultos incapazes de lidar com frustrações e problemas da vida", diz a psicóloga.

CULPA

Outro ponto debatido na mesa foi a ideia de que o câncer se desenvolve em pessoas tristes ou que guardam mágoas. Segundo Koch e Kioroglo, esse é um mito que deve ser combatido.

Para Koch, pesquisas e estudos recentes não indicam essa correlação. "Estresse desenvolve uma mudança metabólica que afeta nosso sistema imunológico, mas o câncer é multifatorial, tem diversas causas", diz.

"As pessoas não podem se sentir culpadas pelo aparecimento de um câncer", diz Kioroglo.


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