Folha de S. Paulo


Profissionais que combatem corrupção contam como é ser o 'inimigo'

Combater a corrupção interna nas empresas é o trabalho da advogada Karin Ullmann, do contador José Francisco Compagno, do profissional de marketing Yaniv Chor e do consultor Andre Pannunzio.

Os quatro representam diferentes facetas do profissional de compliance, responsável por impedir atos ilícitos na iniciativa privada. Para isso, olham números, conversam com funcionários e enfrentam a desconfiança de colegas.

Conheça mais de cada um deles

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Filipe Redondo/Folhapress
A advogada Karin Ullmann
A advogada Karin Ullmann

A advogada Karin Ullmann afirma que muitas vezes já foi considerada uma inimiga. "Se o exemplo não vem de cima, o compliance é visto como algo que atrapalha", diz Ullmann, que atualmente comanda a divisão de compliance da Smith & Nephew Brasil, empresa de equipamentos médicos.

Há cinco anos trabalhando como complaince officer, ela conta que já pediu o cancelamento de contratos com distribuidores que, apesar de altamente rendáveis para a empresa, estavam envolvidos em atividades suspeitas. "Você sente a antipatia das pessoas, principalmente da área comercial."

A executiva de 54 anos começou a carreira trabalhando com comércio exterior e, aos poucos, foi mudando de função. Ela conheceu a área quando trabalhou no departamento jurídico da General Electric, nos anos 2000.
"Não era o que eu fazia 100% do meu tempo, mas comecei a analisar as denúncias que chegavam e a rever os códigos de conduta americanos e adaptá-los para o Brasil", afirma.

Mais tarde, em outra empresa da área médica, a advogada ficou mais próxima da divisão de compliance ao assumir a função de gerente de licitações, setor onde ocorria a maior parte das investigações de manipulação de contratos.

A partir de então, começou a olhar de perto a relação da empresa com seus distribuidores. Era responsável por verificar se os números não estavam sendo maquiados, se os vendedores faziam pagamentos a médicos, se havia casos de propina para funcionários públicos, entre outras atividades.

"O compliance officer é uma espécie de xerife que a empresa contrata para que os processos e as pessoas tenham um comportamento adequado e conforme a lei", diz Ullmann.

Na Smith & Nephew Brasil, ela também é responsável por analisar acusações de assédio e de conferir gastos com cartões corporativos.

"Nem sempre é fácil. Mas eu sei que a corrupção custa muito caro para uma empresa", afirma. E pode custar para ela também. A legislação americana prevê que os compliance officers sejam responsabilizados caso a corporação em que trabalham seja conivente com pagamento de propina.

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Filipe Redondo/Folhapress
O contador José Francisco Compagno
O contador José Francisco Compagno

Quando José Francisco Compagno, 52, começou a desenvolver o trabalho de investigação de fraudes na empresa onde trabalha, em 2001, tinha apenas três funcionários. Hoje, o sócio da EY, uma consultoria multinacional de contabilidade, tem sob seu comando 250 pessoas que investigam e ajudam corporações a se prevenir da corrupção interna em toda a América do Sul.

Formado em ciências contábeis, Compagno começou a carreira como auditor. Aos poucos foi migrando para a área de compliance. Tornou-se membro da Associação dos Examinadores de Fraude Certificados, fez cursos na Fundação Getulio Vargas e participou de seminários internacionais.

Como não existem fórmulas prontas, quando vai a campo busca conhecer a estrutura de cada empresa para entender o ambiente de negócios. "O principal para ser um bom profissional é questionar as informações recebidas. Em resumo, é ser um cético profissional."

Mesmo trabalhando em uma função mais executiva, ele afirma que ainda "mete a mão na massa". "Faço questão de me envolver pessoalmente nos projetos maiores. Lidero a equipe, entrevisto pessoas e analiso documentos mais relevantes." O trabalho, que pode durar de seis meses a um ano, consiste em montar uma grande radiografia, analisar as fraquezas das empresas e criar ferramentas de solução.

Como parte do trabalho é feito dentro dos escritórios da organização que o contrata, Compagno diz que a recepção nem sempre é fácil. Quando é caso de uma investigação, e não só de prevenção, os ambientes costumam ser mais hostis.

Um dos momentos mais sensíveis é quando precisa checar os computadores dos funcionários. "Teve um caso em que um executivo se negou a dar o computador mesmo com o chefe dele ordenando por telefone", lembra.

O segundo momento mais tenso é o das entrevistas. Como consultor, Compagno não pode acusar ninguém diretamente de fraude, sob o risco de ser processado. O que faz é preparar um roteiro com questões precisas.

"Faço perguntas sobre transações específicas pouco comuns. Como existem documentos para maquiar as fraudes, tenho que ter argumentos técnicos para tentar desafiar a versão apresentada."

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Filipe Redondo/Folhapress
O profissional Yaniv Chor
O profissional Yaniv Chor

Yaniv Chor, 37, afirma lidar mais com cultura do que com números. Chefe da divisão de compliance da consultoria ICTS-Protiviti, ele diz que, muitas vezes, uma empresa tem de mudar totalmente o seu funcionamento para se adaptar à lei anticorrupção. "Tenho de vencer aquele pensamento do fazemos assim e sempre deu certo", diz.

Além da formação em marketing, Chor tem MBAs em gestão de recursos humanos e em gestão executiva. Embora os cursos tenham dado maior clareza sobre o funcionamento das empresas, ele afirma ter aprendido mais sobre compliance após participar de congressos e seminários, boa parte deles no exterior, onde o assunto já era discutido antes de chegar com força ao Brasil.

Há 14 anos na consultoria, nos últimos dez anos ele vem atuando na criação de códigos e comitês de ética para, por exemplo, orientar os funcionários na relação com fornecedores. "Trabalhar com compliance foi uma evolução natural. O que mudou foi que passamos a unir o código de ética e a legislação anticorrupção. Foi uma demanda do mercado e virou uma questão de sobrevivência para empresas", afirma Chor.

O primeiro passo dele e de sua equipe, formada por até 30 profissionais, é reconhecer quais os principais riscos dentro da empresa contratada. Para isso, passa a trabalhar como um funcionário qualquer até entender a rotina, os documentos produzidos e de que maneira as despesas são realizadas.

Ele precisa ter acesso, por exemplo, aos dados dos cartões corporativos. Também faz entrevistas, às vezes de até duas horas, para ver qual a reação dos executivos diante de determinadas situações previstas em lei.
"Com isso a gente traça um plano de ação para combater cada um dos riscos. Definimos responsabilidades, criamos um plano de comunicação e de treinamento cujo objetivo é mitigar os problemas que encontramos", afirma.

Na experiência de Chor, na fase da radiografia, que dura de seis a oito semanas, raramente há problemas com os funcionários, já que a proposta costuma vir da cúpula. É nesse momento de transição que ele considera o grande desafio do seu trabalho. "Temos de convencer que o programa é para o bem de todo mundo", afirma.

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Filipe Redondo/Folhapress
O consultor Andre Panuzzio
O consultor Andre Panuzzio

O consultor Andre Pannunzio havia sido transferido para Pittsburgh, nos Estados Unidos, em 2002, quando as grandes empresas se viram obrigadas a implantar mecanismos de compliance. "Vivenciei um período de grande mudança. As companhias precisavam se reportar para o mercado de capitais."

Hoje, aos 45 anos, é responsável pela divisão de auditoria interna da PwC, uma multinacional focada em consultoria, e vê o mesmo "boom" ocorrer no Brasil.

Formado em administração e contabilidade, Pannunzio entrou como trainee na PwC aos 19 anos. No início, trabalhou com auditoria externa. Estudou, fez treinamentos e workshops em conjunto com a sede global da PwC e especializou-se na indústria de seguros, farmacêutica e de bens de consumo.

Como supervisor, Pannunzio escreve as recomendações de novas políticas de compliance e apresenta sugestões de aprimoramento para a direção. Na parte de gerenciamento do negócio, sugere nomes para determinadas funções, monitora o andamento dos projetos, faz a avaliação dos subordinados, além de buscar novos clientes.

Quando é chamado para implementar um trabalho em uma organização, o projeto pode durar mais de seis meses.

Para ele, a resistência dos funcionários depende do grau de governança a que estão sujeitos. "Quando as atividades de monitoramento já fazem parte da rotina é mais fácil. O funcionário já sabe como é ser auditado".

Ele reforça que os consultores não ditam regras, mas sim apresentam sugestões que podem ser adotadas ou não. "Nosso primeiro passo é o aculturamento dos colaboradores com o processo. Mas é a organização, a companhia, que será responsável por aprovar e fazer acontecer", afirma o consultor.


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