Folha de S. Paulo


Ações contra corrupção nas empresas do país enfrentam barreiras culturais

Ricardo Borges/Folhapress
Viviane Saraiva, Alissandra Oliveira e Ana Cristina Freire, da área de compliance da Queiroz Galvão
Viviane Saraiva, Alissandra Oliveira e Ana Cristina Freire, da área de compliance da Queiroz Galvão

Ações para reduzir risco de corrupção nas empresas enfrentam barreiras culturais. Segundo gestores, brasileiros flexibilizam regras e não gostam do papel de "dedo-duro", o que compromete a implantação dos programas.

Nas empreiteiras envolvidas na Lava Jato, ligadas a famílias tradicionais, o aspecto pessoal se confunde bastante com o profissional, segundo o presidente de uma delas, que só aceitou falar sob a condição de anonimato.

Segundo esse executivo, o funcionário percebe que há fronteiras éticas passíveis de serem cruzadas. Isso se mostra até no uso do email e do telefone comercial para fins particulares, exemplifica.

Romper com essa cultura consome tempo e dinheiro. O custo, para uma empresa de grande porte, não fica abaixo de R$ 10 milhões por ano.

Para quebrar essa barreira, boa parte dos programas em curso nas empreiteiras -Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão- se firmou em um tripé em que uma das pontas é o guia de conduta, uma série de mandamentos do tipo "isso pode, isso não pode". Os constantes programas de treinamento são outra base, além dos canais de denúncia.

Funcionários não entregam colegas com desvios éticos porque sentem-se desconfortáveis ao denunciá-los e, mesmo com a promessa de anonimato, desconfiam da isenção da companhia.

"Incentivar a cultura da denúncia é importante. Por isso, a gestão desse canal foi terceirizada", diz Ana Cristina Freire, diretora de compliance da Queiroz Galvão. "Precisa ser algo fora do controle da empresa."

Freire faz parte de um grupo que reflete o novo modelo de gestão da companhia, implantado pelo presidente Petrônio Braz Júnior. Contratado em 2013 para dar uma guinada na empresa, ele renovou metade dos diretores.

A governança e os controles internos, na gestão de pessoas e de finanças, foram delegados a um time de mulheres integrado por Freire, Viviane Saraiva (diretora financeira), Alissandra Oliveira (recursos humanos) e Rosalia Camelo (jurídico).

O choque cultural foi grande. Até acionistas tiveram dificuldades em lidar com a nova realidade. Antes eles determinavam o que fazer. Agora, são obrigados a cumprir ordens que, num ambiente ainda dominado por homens, são dadas por mulheres.

Lava Jato

CONFIANÇA

Na Odebrecht, códigos internos também estão sendo revistos. A empresa hoje tenta quebrar uma herança impressa pelos controladores.

"Qualquer regra de conformidade que criamos entra em choque com a cultura interna da confiança", diz Olga Pontes, diretora de compliance do grupo Odebrecht. Ela explica que muitos funcionários pensam que o ato de cumprir o novo código seria como atestar uma falta de confiança nos colegas.

Todas as empresas passarão a ter conselhos de administração e ao menos 20% dos assentos deverão ser ocupados por pessoas independentes. A ideia é tentar retirar o peso familiar da companhia.


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