Folha de S. Paulo


Novas normas éticas e ações na Justiça tentam inibir máfia das próteses

A partir de janeiro de 2018, as indústrias de dispositivos médicos (órteses e próteses) deixarão de financiar viagens de médicos a congressos como forma de evitar conflitos de interesse nessas relações.

Só serão permitidos cursos de treinamento (sobre o funcionamento de novos dispositivos e equipamentos, por exemplo) dentro de centros das próprias indústrias.

A medida consta no novo código de conduta do setor e vem na esteira do escândalo da "máfia das próteses", um esquema de corrupção que superfaturava compras de OPMEs (órteses, próteses e materiais médicos) e que é investigado pela Polícia Federal há dois anos.

Entre as más práticas, envolvendo médicos, empresários, diretores de hospitais e fabricantes de materiais, há o pagamento a médicos pelo uso de materiais em cirurgias, algumas desnecessárias.

Segundo Carlos Goulart, presidente da Abimed (associação que representa a indústria de produtos para a saúde), desde 2014 o setor vem discutindo medidas para evitar conflitos de interesse.

Goulart diz que a Abimed apoia projetos de lei que criminalizem o recebimento de vantagens indevidas. "Isso nunca foi permitido [pela Abimed]. Pode não ser ilegal, mas é imoral", diz.

Paulo Fraccaro, superintendente da Abimo (associação da indústria de artigos médicos e odontológicos), afirma que o escândalo da máfia das próteses trouxe uma urgência para a adoção de novas normas éticas.
"Muitos fabricantes ignoravam as práticas adotadas por distribuidores e só agora perceberam que também têm responsabilidade."

É esse o principal argumento de uma ação judicial da Abramge (associação de planos de saúde) contra oito fabricantes multinacionais de dispositivos médicos.

Segundo a denúncia, por meio de suas subsidiárias e distribuidoras no Brasil, as empresas pagaram propinas a médicos (de até 30% do valor do produto) e a hospitais, com a intenção de influenciá-los a usar seus dispositivos.

As empresas negam as acusações, dizem que estão comprometidas com a ética e que se defenderão nos tribunais.

Pedro Ramos, diretor da Abramge, afirma que a ação tem como base mais de 3.000 documentos resultantes de dois anos de investigação. A estimativa é que o prejuízo causado aos planos ultrapasse US$ 100 milhões.

Durante o 4º Fórum Saúde do Brasil, Ramos disse acreditar que a solução para a corrupção no setor está em acordos feitos diretamente entre planos e indústria, de forma a barrar empresas que praticam preços irregulares e dão margem à corrupção. "O que encarece o produto é a cadeia da propina."

AUTOrREGULAÇÃO
Após as denúncias, o setor também se organizou para criar uma espécie de autorregulamentação. A iniciativa, do Instituto Ética Saúde, conta com 240 empresas-cerca de 60% das maiores. Há um canal de denúncias, que analisa as queixas e as encaminha aos órgãos competentes, como o Ministério Público.

Até dezembro de 2016, haviam mais de 1.200 denúncias envolvendo médicos, distribuidores, hospitais, importadores, fabricantes e operadoras de planos de saúde. "Uma empresa vigia a outra", diz Gláucio Pegurin Libório, presidente do instituto.

Quando as denúncias envolvem associados, eles são chamados para se defender e, dependendo da gravidade, o caso é encaminhado ao Ministério Público. O instituto tem autonomia para decidir se aplicará ou não sanções (de advertência a exclusão).

Para Libório, a autorregulação permitiu um cadastro positivo de empresas que trabalham dentro da ética. "Estamos longe do ideal. Envolve uma mudança de cultura que já vem de 25, 30 anos."

Paulo Fraccaro lembra que essa nova fase inclui até a conscientização de que trabalhar dentro de princípios éticos pode levar à queda nas vendas. "Muitos usuários estavam acostumados a receber gratificações por fora e podem buscar outros fornecedores."


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