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Obesidade cresce entre jovens, mas pais demoram a reconhecer problema

Karime Xavier/Folhapress
Meninas e meninos aprendem sobre alimentos no Centro de Recuperação e Educação Nutricional da Unifesp
Meninas e meninos aprendem sobre alimentos no Centro de Recuperação e Educação Nutricional da Unifesp

Uma a cada três crianças brasileiras de cinco a nove anos está acima do peso.

Quanto antes esse quadro for diagnosticado, mais fácil será revertê-lo. O problema é que muitas famílias têm dificuldade para enxergar que a criança precisa emagrecer.

"Como tem muita gente acima do peso, parece normal. Mas uma criança de quatro anos com barriga está gorda", alerta Mariana Zambon, responsável pelo Ambulatório de Obesidade na Criança e no Adolescente do Hospital das Clínicas da Unicamp.

A última pesquisa completa sobre o assunto no Brasil foi feita pelo IBGE. Os dados estão desatualizados, são de 2009, mas os especialistas garantem que esse número só aumenta.

Estudo realizado em 2015 no Hospital Universitário da USP com mil crianças de 2 a 14 anos apontou que metade das mães errou o estado nutricional do filho -entre elas, 58% subestimaram o peso.

"Os pais só reconhecem a obesidade quando chega a níveis muito altos. Sobrepeso e obesidade leve passam despercebidos, especialmente em meninos e crianças pequenas", diz a pediatra Denise Lellis, responsável pela pesquisa e integrante da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica).

Para Zambon, da Unicamp, o período crítico ocorre entre os dois e os quatro anos, quando a criança passa a comer e engordar menos. "As famílias ficam aflitas, querem dar mais comida."

O pediatra deve acompanhar peso e tabelas de IMC específico para as crianças. Se há sobrepeso, é preciso intervir rapidamente. "Se nada for feito, esse paciente pode se tornar obeso em três anos", alerta Zambon.

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LOUCURA

Para os especialistas, o cenário é grave. "O aumento é gritante e encontramos diabetes tipo 2 em crianças de 12 anos. Isso é uma loucura", alerta a bióloga Ana Lydia Sawaya, professora da Unifesp.

Doenças associadas à obesidade na infância, como diabetes tipo 2 e colesterol alto, são mais agressivas e trazem mais danos à saúde no longo prazo.

As causas mais importantes do problema estão relacionadas a sedentarismo, consumo excessivo de comida industrializada e tempo demais em frente a telas.

Sawaya coordena estudo com 900 alunos de 8 a 12 anos de escolas públicas de São Paulo-22% têm excesso de peso. Resultados preliminares de dados nos últimos 13 meses mostram que as crianças comem mal, não brincam de forma ativa e passam todo o tempo livre entre computador, TV e celular, inclusive na hora das refeições.

"Alimentar-se em frente a uma tela faz com que a criança não perceba o que ingeriu e isso interfere na regulação da saciedade e na mastigação", explica a nutricionista Pollyana Patriota, pesquisadora do projeto.

Excesso de tela também contribui para sedentarismo e alterações no sono. Uma noite mal dormida altera o metabolismo e o apetite, além de diminuir a disposição para atividade física.

A violência é outra justificativa constante para a vida sedentária. "A insegurança faz com que a família fique em casa, diminuindo a atividade física típica da idade", afirma Maria Edna de Melo, presidente da Abeso.

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O excesso de peso em crianças é comumente associado à predisposição genética. Especialistas, porém, afirmam que a obesidade infantil é causada por vários fatores, entre eles o consumo de alimentos ultraprocessados.

Ricos em açúcar e gorduras ruins e pobres em fibras e nutrientes, esses alimentos têm muito espaço na dieta das crianças e adolescentes e contribuem de forma decisiva para o aumento de peso.

O principal entrave para diminuir o consumo é a falta de informação. "Todos acham que as pessoas já sabem o que devem comer para serem saudáveis, mas isso é uma ideia errada", afirma a presidente da Abeso.

Um estudo divulgado no ano passado, feito pelo Ministério da Saúde e pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) com 70 mil adolescentes de 12 a 17 anos de 124 cidades brasileiras, mostra que refrigerantes e doces figuraram entre os dez principais alimentos consumidos.

Resultado: um em cada quatro adolescentes apresentou excesso de peso.

"Falta compreensão do quanto esse produtos são nocivos à saúde, mas a família muda hábitos quando aprende que fazem mal", diz a nutricionista Pollyana Patriota.

Outra dificuldade é driblar a publicidade. "Estamos à mercê dos anúncios dos fabricantes de ultraprocessados. É o que induz hábitos de consumo", diz Lydia Sawaya, professora da Unifesp.

Há legislação sobre esse tema no Brasil, mas falta cumprimento e fiscalização, segundo Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.

"A obesidade é multifatorial, mas a publicidade fala diretamente com a criança, estimula uma necessidade e cria uma rotina alimentar cada vez mais cedo. O paladar se forma na infância", diz.


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