Folha de S. Paulo


Brasil deve investir na economia da biodiversidade, afirmam cientistas

Fomentar uma nova economia baseada em inovação e uso sustentável da biodiversidade pode gerar até cinco vezes mais riqueza para a região amazônica do que as atividades hoje praticadas no bioma, como a pecuária e extração de madeira.

Mas para isso será necessário frear a expansão da agropecuária na região, alerta o climatologista Carlos Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências e do IPCC, o painel das Nações Unidas sobre mudanças climáticas.

Nobre foi um dos debatedores do painel sobre o papel da inovação e do conhecimento em uma economia limpa, realizado durante o Fórum Desenvolvimento e Baixo Carbono, promovido pela Folha em parceria com o Instituto Escolhas e o Insper, nesta quarta (23).

Embora alguns produtos amazônicos, como o açaí, já tenham uma cadeia produtiva estruturada e demanda por setores como alimentos e cosméticos, a pecuária ainda gera uma receita três vezes maior para a região - mas tem sido um dos grandes motores do desmatamento na Amazônia e responde por 70% das emissões de gases de efeito estufa do setor agropecuário.

"Estamos desenvolvendo uma proposta que é um novo modelo para o desenvolvimento da Amazônia. A ideia é parar a fronteira agrícola e criar um sistema econômico baseado em conhecimento e inovação", disse Nobre. Segundo ele, com cem produtos da biodiversidade econômica será possível gerar, em dez anos, uma economia cinco vezes maior do que a atual.

Isso colocaria o Brasil na linha de frente das pesquisas com temas como o biomimetismo, que é o desenvolvimento de tecnologias aplicáveis inspirada no funcionamento dos sistemas da natureza, além do uso da biodiversidade para desenvolvimento de produtos, como alimentos, fármacos e cosméticos. Além disso, seria uma contribuição real do Brasil para a estabilização da questão climática em menos de 2ºC, estabelecido no Acordo do Clima de Paris.

Para Ricardo Abramovay, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, o Brasil tem potencial para construir uma economia promissora baseada na aplicação de conhecimento e inovação ao uso sustentável da biodiversidade - o que é diferente de continuar apostando no agronegócio produtor de commodities como motor do PIB.

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"As chances de aplicar conhecimento à nossa biodiversidade são promissoras. Trata-se de utilizar as tecnologias da quarta revolução industrial para criar coisas úteis para a sociedade", disse Abramovay. Ele cita o exemplo da Alemanha, que hoje mantém 73 centros de pesquisa destinados ao campo de bionics, ciência que estuda os processos da natureza para criar tecnologias mais eficientes no uso dos recursos naturais.

Segundo o professor, a economia brasileira é muito dependente do comércio global de commodities agrícolas e minerais, o que a torna ainda muito intensiva em emissões de carbono. "Não podemos esquecer que somos o principal consumidor de agrotóxicos do mundo e nossa agricultura é de baixo valor agregado", ressaltou.

Na avaliação de Marcos Jank, diretor global de assuntos corporativos da BRF, empresa dona das marcas Sadia e Perdigão, o agronegócio brasileiro evoluiu muito em termos de produtividade nas últimas décadas -o país tem o maior superávit comercial agrícola do planeta, estimado em US$ 80 bilhões/ano.

Mas nos últimos 15 anos, ressaltou Jank, a geografia do comércio agrícola global mudou radicalmente. Se na década de 1990 os principais mercados para as commodities agrícolas brasileiras eram os países europeus, que demandam padrões ambientais como diferencial competitivo, hoje os principais compradores da soja brasileira são os países asiáticos, especialmente a China, que não exige padrões de sustentabilidade. Segundo Jank, essa discussão precisa avançar.

"A forma de fazer o produtor rural reconhecer o valor da sustentabilidade é levar isso para o consumidor. E hoje o consumidor não é o europeu, é o chinês. É com eles que precisamos fazer esse diálogo", afirmou o executivo. De acordo com Jank, os padrões de comércio global valorizam a qualidade e segurança alimentar, mas ainda não existe uma exigência de sustentabilidade nas cadeias agrícolas. "É o Brasil que precisa puxar esse debate", concluiu.


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