Folha de S. Paulo


opinião

Energia deve ter destaque no debate sobre a economia limpa

Quando se fala de reciclagem, a primeira coisa que vem à mente é lixo. E com razão, porque os resíduos sólidos figuram entre os maiores problemas que a sociedade contemporânea tem de resolver -em particular no Brasil.

Do ponto de vista da almejada economia limpa, porém, sobretudo quando se atenta mais para o termo "economia" do que para a qualificação "limpa", a energia deve ocupar a frente do palco.

Resíduos recolhidos e separados para reutilização, do alumínio ao óleo de cozinha, alimentam toda uma cadeia logística. Dos catadores às companhias de reprocessamento, uma gama variada de empreendedores extrai valor da matéria-prima que, de outra maneira, acabaria engrossando lixões e aterros.

São verdadeiros depósitos de energia desperdiçada. Produzir papel e papelão, por exemplo, consome diesel nas máquinas para plantar, colher e transportar madeira.

As caldeiras e máquinas das fábricas de celulose gastam mais combustível e eletricidade para obter a polpa que depois se transforma em papel -outras máquinas, mais energia (para nada dizer da água utilizada e da poluição do ar).

Reciclar papel não exige corte de árvores nem destruição de recursos naturais. Cada tonelada reaproveitada evita a perda de 17 árvores e de mais de 26 mil litros de água. A contaminação do ar pelas usinas de reciclagem se reduz a 5%, quando comparada com o fabrico de papel a partir do zero.

E o mais importante: economiza-se 60% de energia.

Ora, 78% do consumo de energia no mundo depende de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), que emitem gases do efeito estufa e agravam o aquecimento global.

Mesmo que a matriz energética brasileira seja mais limpa que a média mundial (59% da energia que consumimos no país provém de combustíveis fósseis), reciclar constitui, aqui também, uma contribuição que cada pessoa pode dar no esforço para evitar uma mudança climática arriscada.

Outro caso sempre lembrado é o do alumínio, porque o ganho de energia com sua reciclagem é fenomenal. No cotejo com a fabricação a partir do minério, um processo eletro-intensivo, representa nada menos que 95%.

Deixar de reaproveitar as latinhas de refrigerante e cerveja não tira apenas o ganha-pão de milhares de catadores. A fabricação do metal exige quantidades crescentes de eletricidade, conforme avançam a renda e o consumo.

Como já se vai esgotando o potencial hidrelétrico fora da Amazônia, restam duas opções na mente do tecnocrata amigo dos empreiteiros e dos políticos. Ou continuamos a construir usinas na floresta, destruindo matas aluviais (inundadas só em parte do ano) e expulsando ribeirinhos e índios de suas terras, ou consumimos mais gás, óleo e carvão em usinas termelétricas.

Claro que existe enorme potencial para a energia solar e a eólica (ventos) no Brasil, mas o governo acordou tarde (muito depois da China) para essa segunda fonte alternativa. Quanto à primeira, a dos painéis fotovoltaicos, ainda cochilamos em berço esplêndido.

O país assumiu o compromisso de reduzir emissões de poluentes, no quadro do Acordo de Paris (dezembro de 2015), e reciclar é o caminho barato e limpo para evitá-las. Uma forma óbvia de conservar energia, coisa de que se fala pouco na pátria de empreiteiras e políticos viciados na corrupção turbinada com grandes obras.

Belo Monte, Furnas e Eletrobras que o digam. Também foi um sonho inconsequente, além dos custos exorbitantes em propinas e impacto climático, engatar a Petrobras na locomotiva desgovernada do "Brasil na Opep".

Petróleo, relembre-se, é um combustível fóssil. Uma energia do passado, literal e metaforicamente. Quanto mais ficar debaixo da terra e do mar, melhor.


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