Folha de S. Paulo


Programas tentam evitar exames e procedimentos médicos sem sentido

Lalo de Almeida/Folhapress
Grupo de profissionais interage com boneca durante treinamento do programa Parto Adequado, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, que visa diminuir o número de cesarianas
Grupo de profissionais interage com boneca durante treinamento do programa Parto Adequado, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, que visa diminuir o número de cesarianas

Exames sem sentido, internações longas, procedimentos exagerados, uso descontrolado da tecnologia. Além de não focar na qualidade de vida, o caminho tomado pela rede privada de saúde no Brasil custa caro.

"Quando o sistema foi criado, morria-se de doenças infecciosas, e não crônicas; então se desenvolveu um modelo que trata a doença", diz Luiz Augusto Carneiro, superintendente do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar).

Esquemas de prevenção e atenção primária entram em cena para que o objetivo do atendimento médico seja a saúde e os procedimentos sejam bem conduzidos. "As operadoras não vendem qualidade de vida, e sim acesso à melhor tecnologia possível", diz Martha Oliveira, diretora de desenvolvimento setorial da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Nesse contexto, a agência desenvolve projetos-piloto que têm como prioridade a relação médico-paciente e tentam otimizar o tratamento na rede particular.

Um desses projetos é o Parto Adequado, implementado há um ano em 40 hospitais do país e resultado de parceira com o Hospital Albert Einstein e o IHI (Institute for Healthcare Improvement).

A proposta é disseminar modelos que valorizem o parto normal e favoreçam a qualidade de serviços desde o pré até o pós-parto, diz Rita de Cassia Sanchez e Oliveira, obstetra do Einstein.

O segundo projeto piloto da agência chama-se Idoso Bem Cuidado, e será implantado ainda neste ano.

Os próximos projetos focalizam o tratamento do câncer -que é desarticulado na rede privada- e a odontologia, para que os pacientes passem a priorizar a prevenção de problemas bucais.

Com esses projetos pilotos a ANS também quer discutir a redução de custos, bem como novas formas de remuneração para serviços médicos. Mudanças que esbarram na resistência dos profissionais.

"O modelo de remuneração atual não incentiva a atenção primária", diz Daniel Knupp, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade. "Hoje, o pagamento dos serviços é por produção, o que leva médicos e instituições a gerar procedimentos de forma desenfreada.".

No Parto Adequado, foram testadas fórmulas de pagamento que usam indicador de qualidade, para complementar a remuneração já pactuada entre plano e hospital. O mesmo ocorrerá no programa Idoso Bem Cuidado.
sistema exaurido

Mas a formação é outro entrave. Na faculdade de medicina, o aluno é treinado a diagnosticar, tratar e curar sintomas, explicou à Folha Mary Durham, diretora do Centro de Pesquisas em Saúde da Kaiser Permanente. "O sistema continuará a focar em tratamento e procedimento até haver incentivo para visar saúde e prevenção, dando ênfase no valor em vez de enfatizar o volume do serviço prestado", disse.

As operadoras, em contrapartida, parecem sem saída e também querem nova maneira de tratar e remunerar. A sinistralidade dos planos de saúde brasileiros gira em torno de 85,5%, quando o índice adequado seria de até 75%. "O sistema se exauriu, a operadora muda ou será mudada por força do cenário", analisa Cloer Vescia Alves, que é coordenador do Comitê de Atenção à Saúde da Unimed do Brasil.

A conta deve ser revista, com novo sistema de financiamento que freia gastos abusivos e com médico generalista, figura central da atenção primária, capaz de conduzir o paciente em busca de prevenção e eficácia.

Operadoras como Unimed e Amil já incluem modelos de atenção primária em planos tradicionais e vendem produtos nos quais o acompanhamento do generalista é prioritário e obrigatório.

E colhem resultados preliminares. Com esses modelos, a Unimed de Belo Horizonte (MG) reduziu em um ano as visitas a pronto-atendimento dos beneficiários de 34% para 19% e as internações de pacientes com doenças sensíveis à atenção primária de 14% para 9%. Unimeds de Vitória (ES) e Guarulhos (SP) têm índices semelhantes.

Cloer Vescia Alves estima que a conduta, aliada a novas formas de remuneração, até reduza o custo assistencial. "Um sistema mais racional gerará produtos de custo menor e talvez a saúde suplementar possa resgatar um contingente significativo que a deixa por conta da crise."

IDOSOS

O programa Idoso Bem Cuidado começa no segundo semestre em 15 hospitais. Esse piloto da Agência Nacional de Saúde Suplementar é pautado na reestruturação da rede de atendimento ao idoso, que fica perdido entre muitos médicos, exames repetitivos, internações e altas.

Dados do IHI (Institute for Healthcare Improvement) sobre um projeto semelhante mostram que o foco em atenção primária reduziu os gastos em 25%. Outros estudos apontam quedas também nas visitas em pronto-socorro (21%) e internações (28%).

Editoria de arte/Folhapress

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