Folha de S. Paulo


Oncologia evolui no país, mas custo ainda limita acesso a tratamentos

De um lado, a medicina oncológica avança, com tratamentos sofisticados como a imunoterapia, que promete transformar tumores agressivos em doenças tratáveis.

De outro, os entraves que já são velhos conhecidos no Brasil: a burocracia para a realização das pesquisas clínicas, que atrasa o lançamento de medicamentos, e os altos custos do tratamento, que oneram os cofres dos sistemas de saúde público e suplementar.

Enquanto isso, cresce o clamor popular por soluções acessíveis para tratar a doença, ao ponto de a fosfoetanolamina, a "pílula do câncer", ter sido aprovada pelo Senado antes mesmo de passar por ensaios clínicos (teste em seres humanos).

Esses e outros temas foram discutidos no fórum O Futuro do Combate ao Câncer, realizado pela Folha no Tucarena, em São Paulo, na terça (29) e na quarta (30), com patrocínio dos laboratórios MSD e Bristol-Myers Squibb.

A cada ano, 15 milhões de pessoas em todo o mundo recebem o diagnóstico de câncer, doença que mata 8 milhões anualmente.

"É a segunda causa de morte em nosso país. E, nesta década, se tornará a primeira causa em vários países da Europa e algumas regiões dos Estados Unidos", disse o oncologista Paulo Hoff, presidente do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), que abriu o evento.

Com os tratamentos disponíveis hoje, segundo Hoff, 60% dos pacientes sobrevivem. Mas muitos ainda sofrem por falta de diagnóstico precoce, o que diminui as chances de cura.

Uma questão recorrente durante os dois dias do encontro foram os valores altos dos tratamentos de câncer.

"Chegamos a uma situação em que o custo do tratamento oncológico ficou absurdo. Calcular custo é uma equação complexa, e esse cálculo é um buraco negro", afirmou o oncologista Drauzio Varella, colunista da Folha.
Ele lembra que há novos medicamentos que, se fossem comprados, custariam metade de todo o orçamento do Ministério da Saúde.

"É preciso identificar quais tratamentos fazem a diferença e quais pacientes seriam mais beneficiados por eles."

Editoria de Arte/Folhapress
Veja o especial multimídia sobre os caminhos do combate à doença
Veja o especial multimídia sobre os caminhos do combate à doença

Stephen Stefani, oncologista do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, disse que o custo de um tratamento chega a mais de US$ 1 milhão (R$ 3,6 milhões) por ano por paciente. "Está cada vez mais difícil encarar esse custo. Isso aumenta a desigualdade entre os recursos para a saúde pública e os aplicados na privada."

Raquel Lisboa, gerente-geral de regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, afirmou que, embora haja uma pressão para que os planos de saúde incorporem tecnologias sofisticadas, os recursos são limitados.

"Quem financia o sistema é o próprio usuário, por isso usamos tantos critérios."

PÚBLICO E PRIVADO

Durante o evento, Henrique Prata, diretor-geral do Hospital do Câncer de Barretos, criticou a isenção fiscal a grandes hospitais privados em um cenário em que os recursos para saúde pública são escassos. Segundo ele, a isenção de R$ 1,6 bilhão ao ano beneficia só seis hospitais em todo o país.

"Existe, por debaixo dos panos, favorecimento à medicina privada."

O aumento de custo causado pelo diagnóstico tardio e pela demora no atendimento também foi apontado.

No Hospital do Câncer de Barretos, mais de 50% dos tumores de mama chegam em estágio avançado, quando o tratamento custa dez vezes mais do que na fase inicial.

Antonio Luiz Frasson, mastologista do Hospital Israelita Albert Einstein, conta que, no sistema privado, tumores de mama têm, em média, 1,5 centímetro, enquanto no SUS a metade das mulheres chega com tumores de 5 centímetros. "Tumores avançados exigem todas as terapias disponíveis, a custo muito alto."

Para ele, o acesso rápido ao tratamento é mais importante do que terapias caras, como exames ultrassensíveis. "Detectamos alterações mínimas, mas, talvez 30% das intervenções feitas hoje não fossem necessárias."

Mesmo com tantos problemas e limitações orçamentárias, Paulo Hoff se diz otimista: "O Brasil está melhor do que há 15 anos e temos ferramentas para progredir mais".


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